[Artigo] Principais Aspectos da Atual Reforma Trabalhista
Fernando Borges Vieira1
Sem dúvida alguma a Consolidação das Leis do Trabalho pode ser considerada um reflexo das mudanças políticas, econômicas e sociais vivenciadas após a Revolução de 1930, sobretudo porque o Brasil se afastava de uma economia fundamentalmente baseada em atividades agrícolas e enfrentava o avanço da indústria. Diante deste panorama e em pleno Estado Novo (1930/1945), Getúlio Vargas aprova a CLT por meio do Decreto-lei 5.452 de 1º de maio de 19432.
Contudo, o processo de consolidação das várias leis trabalhistas esparsas existentes não foi tão simples assim. Após o início da Era Vargas e sob um escopo reconhecidamente populista, muitas leis foram elaboradas no sentido de regulamentar as relações de trabalho, sobretudo por impulso das organizações de classe que passavam a ter mais relevância e influência. No afã, porém, de novas leis trabalhistas, muitas vezes as normas jurídicas eram conflituosas ou até mesmo contraditórias, e ficou a cargo de uma comissão de juristas consolidar as leis em um único instrumento, o qual passou a ser a mais importante fonte dos direitos trabalhistas – não se olvidando o texto constitucional.
A CLT representou um avanço político, econômico e social, pois as relações de trabalho passaram a ser regradas, atribuindo-se direitos e deveres àqueles vinculados por uma relação de trabalho, não se olvidando o direito coletivo do trabalho e o regramento de sindicatos e federações. Entretanto, quase 75 anos depois, será que a CLT refletia a realidade na qual vivemos?
Conservo dúvidas a respeito e por serem muitas destaco apenas uma, qual seja, o reconhecimento de que os empregados não são tão vulneráveis e hipossuficientes com aqueles de mais de sete décadas atrás.
Além, mister se faz considerar que desde sua origem o direito do trabalho é orientado por princípios protetivos dos trabalhadores que já não conservam a mesma razão de outrora. Não pretendo afirmar que a legislação trabalhista deva desconsiderar a distinção entre empregados e empregadores, cerrando os olhos às distintas qualidades de cada qual; tão somente convoco atenção ao fato de que o ordenamento jurídico deve acompanhar em par e passo as mudanças sociais.
Hodiernamente há, em nosso país, um exército de aproximadamente quatorze milhões de desempregados e não posso deixar de considerar que este índice tão alarmante conserva relevante parte de sua origem em um sistema jurídico que impõe ao empregador tantas obrigações que impossibilitam – por vezes – a manutenção da própria atividade.
Não conservo por escopo enfrentar esta questão com a necessária profundidade, posto objeto de artigos outros; entretanto, posiciono-me favorável à reforma trabalhista por acreditar na necessidade de modernização do ordenamento jurídico de sorte a compatibilizá-lo com nossa realidade atual.
Relevante pontuar, mantenho a crença de que a legislação há de permanecer atenta à manutenção dos direitos trabalhistas, pois a modernização não pode significar retrocesso. Sou favorável sim à modernização legislativa, mas esta condição não pode traduzir supressão de direitos.
Cumpre-me, nesta consideração específica, desmistificar a equivocada compreensão de que trabalhadores perderam direitos. Não! Os direitos dos trabalhadores não foram suprimidos, sobretudo porque o texto constitucional lhes oferece guarida – a ratio legis é flexibilizar o exercício de direitos e não os extinguir como muitos pretendem fazer crer.
Certo é, a Lei 13.467 de 13 de julho de 2017 – a qual passa a viger 120 dias após sua publicação – traz mais de cem alterações à Consolidação das leis do trabalho, dentre as quais destaco aquelas de impacto mais imediato:
BANCO DE HORAS
ANTES: O excesso de horas em um dia de trabalho pode ser compensado em outro dia, desde que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas. Há também limite de 10 horas diárias.
DEPOIS: O banco de horas pode ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação se realize no mesmo mês.
CONTRIBUIÇÃO SINDICAL
ANTES: A contribuição sindical é obrigatória, equivale a um dia de salário do empregado e é descontada em fonte.
DEPOIS:A contribuição sindical passa a ser facultativa e se o trabalhador optar por contribuir deverá autorizar expressamente o empregador a promover o desconto em fonte.
DEMISSÃO
ANTES: Quando o trabalhador pede demissão ou é demitido por justa causa não tem direito à multa de 40% sobre o FGTS e nem ao levantamento deste. Em relação ao aviso prévio, a empresa pode avisar o trabalhador sobre a demissão com 30 dias de antecedência ou pagar o salário referente ao mês de sem que o funcionário precise trabalhar.
DEPOIS: O contrato de trabalho poderá ser extinto de comum acordo com o pagamento de metade do aviso prévio e metade da multa de 40% sobre o saldo do FGTS. O empregado poderá, ainda, movimentar até 80% do valor depositado pela empresa na conta do FGTS, mas não terá direito ao seguro-desemprego.
FÉRIAS
ANTES: As férias de 30 dias podem ser fracionadas em até 2 períodos, sendo que há de ser respeitado o mínimo de 10 dias. Há a possibilidade de 1/3 do período de férias ser pago em forma de abono.
DEPOIS: As férias de 30 dias poder ser fracionadas em até 3 períodos, mediante negociação, sendo que um dos períodos deve ser de pelo menos 15 dias corridos.
GRAVIDEZ
ANTES: Mulheres grávidas ou lactantes estão proibidas de trabalhar em lugares com condições insalubres. Não há limite de tempo para avisar a empresa sobre a gravidez e alcançar estabilidade provisória.
DEPOIS: É permitido o trabalho de mulheres grávidas em ambientes considerados insalubres, desde que a empresa apresente atestado médico que garanta não haver risco à gravida e ao feto. Mulheres grávidas tem o prazo de 30 dias para comunicar a empresa sobre a gravidez
HOME OFFICE
ANTES: A legislação não contempla tal modalidade de trabalho.
DEPOIS: Toda a infraestrutura que o trabalhador necessitar para trabalhar no sistema home office há de ser formalizado com o patrão via contrato, a exemplo de equipamentos, e custo pela utilização de energia elétrica e internet. O controle do trabalho será feito por tarefa.
INTERVALO INTRAJORNADA
ANTES: O trabalhador que exerce a jornada padrão de 8 horas diárias tem direito a no mínimo 1 hora e no máximo 2 horas de intervalo para repouso e alimentação.
DEPOIS: O intervalo poderá ser negociado, desde que tenha pelo menos 30 minutos. Se o empregador não conceder intervalo mínimo intrajornada ou concedê-lo parcialmente, a indenização será de 50% do valor da hora normal de trabalho apenas sobre o tempo não concedido em vez de todo o tempo de intervalo devido.
JORNADA
ANTES: A jornada é limitada a 8 horas diárias, 44 horas semanais e 220 horas mensais, sendo permitido o exercício de 2 horas extras por dia.
DEPOIS: Jornada poderá ser de 12 horas com 36 de descanso (12 X 36), respeitado o limite de 44 horas semanais (ou 48 horas, consideradas as extras) e 220 horas mensais.
NEGOCIAÇÃO
ANTES: Convenções e acordos coletivos podem estabelecer condições de trabalho diferentes das previstas na legislação apenas se conferirem ao trabalhador um patamar superior ao que estiver previsto na lei.
DEPOIS: Convenções e acordos coletivos poderão prevalecer sobre a legislação. Sindicatos e empresas podem negociar condições de trabalho diferentes das previstas em lei, mas não necessariamente num patamar melhor para os trabalhadores.
TERCEIRIZAÇÃO
ANTES: O Projeto de Lei que permite a terceirização para atividades-fim foi sancionado anteriormente. A terceirização é objeto da Lei 13.429 de 31 de março de 2017.
DEPOIS: Haverá um resguardo de 18 meses que impede seja o trabalhador demitido e recontratado como terceiro. A lei prevê que o terceiro deve ter as mesmas condições de trabalho dos efetivos, tais como atendimento em ambulatório, alimentação, segurança, transporte, capacitação e qualidade de equipamentos.
O avanço legislativo por meio da reforma trabalhista em tela não é unanimidade – longe de sê-lo – mas certamente propiciará uma nova dinâmica na relação de trabalho e nossa compreensão segue no sentido de que esta é muito bem-vinda, se não tardia.
1 Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519 e OAB/RJ 213.221- Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados – Bacharel em Direito (FMU) – Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) – Mestre em Direito (Universidade Mackenzie) – Personal, Professional e Elder Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching – Professor de Pós-Graduação Direito Processual Civil e Direito Processual do Trabalho – Membro do Grupo de Pesquisa em Direito do Trabalho da Universidade Mackenzie – Diretor do Núcleo de Direito Processual do Trabalho da OAB/SP – Jabaquara – Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo – Membro da Associação dos Advogados de São Paulo – Membro da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo – Membro da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas – Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e relevantes artigos jurídicos.
2 Importante registrarmos que o Decreto-lei não passou por votação perante o Congresso Nacional, pois este havia sido dissolvido, passando a CLT a vigorar a partir de 10 de novembro de 1943.
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