O crime de frustração de direitos trabalhistas
Não são raras as vezes em que empregadores sonegam direitos de seus empregados, independentemente do motivo que os levam a tanto. Referimo-nos tanto aos direitos contratuais como aos direitos rescisórios, cabendo nesta oportunidade traçar breve distinção entre estas duas categorias: os direitos contratuais são aqueles que se originam – como o próprio nome indica – do contrato de trabalho, a exemplo do salário, adicionais de insalubridade e periculosidade e adicional às horas extraordinárias, dentre outras; já rescisórios são os direitos que exsurgem quando há o rompimento do contrato de trabalho, agora a exemplo do aviso prévio e da multa de 40% sobre o fundo de garantia (no caso de dispensa imotivada) e outros tantos.
Quando um empregado se vê prejudicado pelo inadimplemento das verbas contratuais ou rescisórias comumente ajuíza reclamação trabalhista sob o fito de que o empregador seja condenado e compelido a quitá-las.
Nada obstante o direito de postular perante a Justiça Especializada do Trabalho, não se pode olvidar que – se a frustração de direitos trabalhistas se der mediante fraude ou violência – está-se diante de delito tipificado no artigo 203 do Código Penal sob a rubrica lateral de “Frustração de direito assegurado por legislação do trabalho”:
Art. 203 – Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena – detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º Na mesma pena incorre quem: I – obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida; II – impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.
Como se percebe, a tutela dos direitos trabalhistas envolve não somente a aplicação do Direito do Trabalho, dentre outros o Direito Penal. Assim, levando em consideração a gravidade de certas condutas para a sociedade, quis o legislador punir de forma mais severa seus autores, considerando-se também o ilícito penal.
O elemento objetivo do tipo penal é “frustrar”, cujo significado é inutilizar, privar, impedir.
A frustração de direito assegurado pela legislação trabalhista há de ser praticada mediante “fraude ou violência”. Fraude é o engodo empregado pelo sujeito para induzir ou manter a vítima em erro e a violência se caracteriza pela coação, moral ou física, por parte do sujeito à qual a vítima sucumbe.
O elemento subjetivo do delito em tela é – exclusivamente – o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho.
Consuma-se o crime quando o titular do direito assegurado pela legislação trabalhista vê-se impedido de exercê-lo. A tentativa é admissível, haja vista o fato de que o iter criminis é passível de fracionamento, como por exemplo o agente iniciando a execução do delito, não alcança a consumação por circunstâncias alheias à sua vontade
Cumpre-ressaltar, a lei 9.777, de 29 de dezembro de 1998, introduziu dois parágrafos no art. 203 do Código Penal, dispondo-se que a pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. Todavia, só haverá incidência dessa causa de aumento se o autor souber que a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena (definido no inciso I do art. 3 da lei 6.001/73) ou portadora de deficiência física ou mental; do contrário, por não integrar o dolo do agente, não poderá haver aumento na pena.
Como exemplo da prática deste crime podemos a situação em que o empregador registra na CTPS apenas parte do salário efetivamente recebido pelo empregado, pretendendo se eximir de diversos encargos trabalhistas, previdenciários e tributários. Outro exemplo é a “pejotização”, isto é, a contratação de empregado por meio da constituição de uma pessoa jurídica, criada justamente para o fim de não incidência de imposto sobre a renda e outros encargos. Mais um exemplo é a determinação de que o empregado assine recibos com valor diferente do realmente pago – imagine que o empregador pague ao empregado R$7.000,00 reais a título de salário, mas obriga o empregado a firmar recibo de R$3.000,00 para reduzir a incidência de impostos ou se o empregador paga ao empregado R$10.000,00 a título de verbas rescisórias, mas o obriga a firmar recibo à razão de R$25.000,00, valor este que representa o montante real das verbas.
As práticas acima exemplificadas, dentre uma série de outras tantas, inobstante serem corriqueiras, constituem crime, devendo seu infrator ser penalizado de acordo com o citado art. 203 do Código Penal.
Muito poderíamos ponderar a respeito, até mesmo sobre a responsabilidade do próprio empregado que se coaduna com o empregador para o fim de ter sua remuneração maior em razão da menor incidência de tributos, tal como ocorre quando o empregado concorda com a “pejotização”, prática muito comum hodiernamente.
Entretanto, nosso escopo é alertar empregadores sobre o fato de que, dependendo da conduta que desenvolverem, poderão não apenas e tão somente sofre condenação ao adimplemento das verbas contratuais e rescisórias, mas poderão, inclusive, responder criminalmente por sua conduta se presentes os elementos típicos do art. 203 do estatuto repressivo.
Com efeito, hão os empregadores de guardar muita cautela, pois, além de poderem ser condenados na seara trabalhista, poderão – a depender do caso e concreto – responder criminalmente.
Migalhas
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