
Retorno ao trabalho presencial – O trabalhador pode se recusar?
Fernando Borges Vieira[1]
A pandemia provocada pelo surto infeccioso da Covid-19 trouxe uma nova realidade às relações trabalhistas, seja porque permitiu-se a redução de jornada de trabalho – e consequente redução salarial – seja porque considerável parte dos empregados passou a exercer remotamente suas atividades.
Conforme preconiza a Organização Internacional do Trabalho (OIT) o teletrabalho é “a forma de trabalho realizada em lugar distante do escritório e/ou centro de produção, que permita a separação física e que implique o uso de uma nova tecnologia facilitadora da comunicação.”
Podemos compreender, pois, o teletrabalho (trabalho remoto ou home office) como uma espécie de trabalho performado em local diverso ao local central do empregador e/ou do centro de produção, implicando no manejamento de tecnologias que amplifiquem e facilitem a comunicação e, consequentemente, induzem ao distanciamento físico.
Mesmo antes da Reforma Trabalhista, o teletrabalho já era previsto pela Consolidação das Leis do Trabalho
Art. 6º, parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
Após a reforma trazida pela lei 13.467/17 esta modalidade de trabalho recebeu seu regramento
Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.
Como visto, não há necessidade de que o trabalho remoto seja realizado integralmente sob esta condição, prevalecendo para sua caracterização a sua preponderância.
Inúmeras são as vantagens do teletrabalho, tanto para o empregado como também para o próprio empregador. Para o empregado, cite-se por exemplo, a comodidade de não ter de se deslocar para o local de trabalho, a possibilidade de que tenha tempo de descanso mais significativo e a oportunidade de permanecer junto aos seus. Para o empregador, também como exemplo, há economia quanto ao vale-transporte – se não houver regramento em sentido contrário –, bem como economia de muitas despesas comuns.
Ocorre, as empresas voltam às suas atividades e muitas pretendem desejar retomar o trabalho presencial, o que tem provocado certo descontentamento entre alguns trabalhadores. Neste novo cenário, pode o empregador exigir que o empregado retorne e pode este se negar a retornar ao trabalho presencial?
Pois bem, como sempre há de se ter bom senso!
Em princípio, pode sim o empregador exigir que os empregados retornem às suas atividades presenciais, pois lhe compete o poder de gerência, ao qual os empregados estão submetidos. Todavia, afirmamos “em princípio” pois tudo dependerá de algumas condições, quais sejam: a tomada de medidas para a diminuição de riscos e a condição de saúde do trabalhador e o estado de saúde do empregado e se o mesmo pertence ao denominado grupo de risco.
Ao empregador compete garantir um ambiente de trabalho seguro, diligenciando no sentido de promover todas as medidas recomendáveis e factíveis para mitigar o risco de contaminação. Entre tais medidas pode-se citar a disponibilização álcool em gel, face shield e máscaras e distanciamento – registre-se, dependendo da atividade, outros equipamentos de proteção hão de ser fornecidos, como aventais, luvas, óculos de proteção e toucas, dentro outros.
Além, obviamente é necessário que o empregado não esteja acometido pela Covid-19, se apresentar outra patologia ou integrar o grupo de risco há de se ter cautela.
Se o empregado apesentar patologia qualquer ou pertencer a referido grupo, deverá apresentar ao empregador laudo médico que ateste esta condição. Tal laudo há de ser submetido à apreciação do médico do trabalho para que o mesmo avalie se o retorno às atividades presenciais é ou não recomendável.
Caso o médico do trabalho compreenda que o empregado pode retornar ao trabalho sem que seja exposto a perigo ou que a este exponha os demais, o empregado terá de retornar, sob pena de sofrer sanção disciplinar e até mesmo ter seu contrato motivadamente rescindido por abandono de emprego.
O mesmo de afirme em relação aos empregados que não apresentam doença qualquer ou não pertençam ao grupo de risco.
Todavia, se o empregado estiver acometido por patologia que justifique seu afastamento ou pertença, de fato, ao grupo de risco, não poderá exigir o empregador seu retorno, devendo as atividades continuarem a ser desenvolvidas remotamente até que cesse estas condições.
Ainda, se o empregador não desenvolver as medidas para mitigação do risco de contágio ou exigir o retorno do trabalhador amparado por laudo médico que ateste patologia ou a condição de risco, poderemos estar diante de uma hipótese de rescisão indireta do contrato de trabalho, ou seja, poderemos estar diante da justa causa do empregador, podendo o empregado considerar o contrato rescindido e pretender os direitos comuns à modalidade de rescisão imotivada do contrato de trabalho.
Enfim, se por um lado conserva o empregador o poder de exigir que seus empregados retornem ao trabalho presencial, há de se ter cautela e observar todas as recomendações médico-sanitárias. Além, é preciso guardar atenção com a saúde e segurança de seus empregados, não apenas e tão somente por uma questão de ética humanitária, mas para que não venha a responder ação trabalhista ou sanções impostas pelos órgãos de fiscalização.
Como sempre costumamos enfatizar: é melhor prevenir a indenizar!
[1] Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519, OAB/MG 189.867, OAB/PR 94.745, OAB/RJ 213.221 – Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados e Owner e Legal Coach de Lawyers Coaching/Desenvolvimento de Performance e Competências Jurídicas – Conselheiro Secional da OAB/SP – Membro da IV Câmara do Tribunal e Ética e Disciplina da OAB/SP – Palestrante da OAB/SP – Presidente da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB Nacional – Membro da Comissão de Especial de Gestão, Empreendedorismo e Inovação da OAB Nacional – Presidente da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB/SP (2019/2020) – Membro Efetivo da Comissão de Coaching Jurídico da OAB/RJ – Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Leadership and Team Development (International Business Management Institute de Berlim – Alemanha) – Certificado em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) – Personal, Professional e Leader Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching (SBC) – Associado Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) – Associado à Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – Associado à Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) – Associado à Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo (AATSP) – Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e relevantes artigos jurídicos.
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