
Negativa dos planos de saúde em custear medicamentos quimioterápicos (off label)
Renata Cristina Marques Ferreira[i]
As operadoras de planos de saúde devem fornecer e arcar com os custos de tratamento prescrito pelo médico aos pacientes com câncer, incluindo os medicamentos, sejam eles de baixo ou alto custo e até mesmo os importados, não as cabendo o controle do uso.
No dia a dia, no entanto, é comum haver a negativa dos convênios em custear determinados medicamentos alegando o uso off label. Mas o que são medicamentos off label?
Todos os medicamentos que são registrados no país recebem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uma ou mais indicações que devem constar na bula. Contudo, em alguns casos o médico pode prescrever um remédio fora das indicações constantes na bula, determinar uma dosagem diferente e até mesmo fazer indicação para grupos ou doenças aos quais o medicamento não foi avaliado. São os chamados medicamentos off label.
A indicação de medicamentos quimioterápicos off label, apesar de não ser ilegal, não pode ocorrer sem critérios, devendo ser prescrito com base em evidências clínicas que demonstrem benefícios para a sua utilização. Costuma ser indicado quando alternativas tradicionais de tratamento já apresentaram falhas, ou quando o especialista, após avaliação do caso concreto, conclui que o medicamento pode ser útil para determinado paciente, que tenha condição análoga a outro que faz uso de determinada droga.
Para justificar a exclusão da cobertura as operadoras de planos de saúde se baseiam na Resolução Normativa 428 /2017, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que disciplina o artigo 10, inciso I, da Lei nº 9.656/98. Alegam que a lei as isenta de obrigatoriedade no custo do medicamento off label, vez que permite a exclusão da cobertura de tratamentos experimentais. Sustentam que caso a empresa venha a custear tratamento experimental e este venha a trazer riscos ou a causar danos à saúde do paciente, a operadora do plano de saúde poderá ser condenada a reparar os danos, ainda que solidariamente.
No entanto, o tratamento off label não pode ser considerado, por si, só um tratamento experimental. Tratamento experimental, para fins de exclusão de cobertura pelas operadoras de planos de saúde, é aquele que não possui critério científico e tampouco qualquer respaldo na literatura médica.
Compete ao Conselho Federal de Medicina a definição de tratamento experimental, ou de recomendável eficácia clínica. As Resoluções 1.982/12 e 1.499/98 disciplinam os critérios de protocolo e avaliação de reconhecimento de procedimentos novos, terapias médicas, bem como a proibição de utilização de práticas terapêuticas não reconhecidas pela comunidade cientifica.
Permitir que a operadora do plano de saúde negue a cobertura de medicamentos quimioterápicos aos pacientes em tratamento de câncer, com a justificativa de que o fármaco não possui indicação para a finalidade prescrita (off label), significa substituir a expertise médica pela ingerência na ciência médica pela operadora.
O rol de procedimentos e eventos em saúde, previstos em resolução editada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, elenca os procedimentos, exames e tratamentos de saúde com cobertura mínima obrigatória. Por apresentar um rol meramente exemplificativo sua interpretação deve ser conjugada com a Lei 9.656/98.
A Lei 9.656/98 assegura a cobertura pelos planos de saúde de todas as doenças catalogadas pela organização mundial de saúde. Sendo o câncer doença de cobertura obrigatória, não pode haver qualquer exclusão de tratamento no contrato.
Cabe ao médico determinar qual o medicamento adequado para o tratamento do câncer que acomete o paciente, não cabendo à operadora limitar os meios possíveis para o restabelecimento da saúde do paciente/segurado.
O posicionamento pacificado do Tribunal de Justiça de São Paulo é da não aceitação das justificativas para as negativas, conforme Súmula 95:
Súmula 95: Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico.
O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que cabe ao médico especialista a definição do medicamento a ser utilizado pelo paciente, ainda que na bula não conste a indicação expressa para o tratamento de determinada doença, não podendo o plano de saúde intervir e deixar de fornecer o remédio.
A Corte Superior, no julgamento do Recurso Especial 1.721.750 não considerou válida a alegação de isenção de responsabilidade da operadora para justificar a negativa de cobertura de medicamento, e determinou que a mesma arcasse com os custos do tratamento off label.
No caso em análise, a Amil negou a cobertura do medicamento Temodal, prescrito pelo médico à paciente com câncer cerebral, alegando que a bula do medicamento não previa o tratamento para a enfermidade.
A Ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, salientou que “a jurisprudência do STJ está sedimentada no sentido de que é o médico e não a operadora do plano de saúde, o responsável pela orientação terapêutica ao paciente”. Afirmou ainda que “autorizar que a operadora negue cobertura de tratamento sob a justificativa de que a doença do paciente não está contida nas indicações da bula representa inegável ingerência na ciência médica, em odioso e inaceitável prejuízo do paciente enfermo”.
Necessário, ainda, mencionar que a relação ente o consumidor e o plano de saúde é consumerista, sendo submetida às regras do Código de Defesa do Consumidor. O seu artigo 51, inciso IV, dispõe: “são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé e equidade”.
Sob a ótica do princípio jurídico da boa-fé, recusar a cobertura do tratamento quimioterápico ao paciente representa uma quebra de confiança entre as partes, porque as cláusulas contratuais devem ser interpretadas da forma mais benéfica ao consumidor. Além disso, levando em conta o quadro clínico do paciente e a necessidade de tratamento, tal conduta atenta contra a dignidade da pessoa humana, podendo ensejar a reparação por danos morais.
De acordo com a jurisprudência dos tribunais, os planos de saúde são responsáveis pela reparação dos danos causados ao consumidor por defeitos relacionados à prestação do serviço, independentemente da existência de culpa.
As maiores indenizações por danos morais estão relacionadas aos casos de câncer, posto que a negativa injustificada das operadoras de planos de saúde para o tratamento gera inegável risco à saúde do paciente, além do desgaste emocional e psicológico, ultrapassando o mero aborrecimento.
Por fim, caso o plano de saúde negue a cobertura do tratamento, o paciente/consumidor deve seguir a orientação da ANS e entrar em contato com o plano. Caso a negativa se perpetue, o consumidor deverá comunicar a Agência Nacional de Saúde, órgão responsável por multar e suspender a atuação das operadoras de planos de saúde que não cumprem suas normas.
Por vezes, infelizmente, tais medidas não são eficazes, não restando outra alternativa senão a utilização da via judicial para fazer valer seus direitos.
[i] Advogada desde 2005 – OAB/SP 235.138 – Advogada responsável pela unidade de Santos e litoral.
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