
Cautelas na aquisição de imóveis
Fernando Borges Vieira[i]
A aquisição de determinados bens não exige sejam observadas tantas cautelas quanto a aquisição de bens de específica natureza. Tenhamos como exemplo a venda e compra de um produto de prateleira e de um terreno: ao se adquirir um produto de prateleira qualquer em uma loja não se fazem necessárias maiores formalidades, operando-se a transferência de propriedade por mera tradição; entretanto, ao se adquirir um bem imóvel há a necessidade de que a propriedade seja transferida de modo formal, agora por meio da transcrição.
Os artigos 1.226 e 1.227 do Código Civil – Lei 10.406/02 – traçam a distinção em referência:
Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição.
Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.
É natural haja maior formalidade na aquisição de bens imóveis, exigindo-se registro perante o Cartório de Registro de Imóveis (transcrição), haja vista se tratar de bens de maior valor e, em grande parte das vezes, de maior importância.
Oportuno salientar que formalidades não são comuns apenas quando da aquisição de um bem imóvel, podendo também serem exigidas em relação a bens móveis, conforme ocorre na transcrição de propriedade de um veículo, por exemplo.
Certo é, ao se adquirir um imóvel é necessário conservar larga cautela, pois negócio jurídico que é, há riscos que devem ser afastados ou mitigados, sob pena do adquirente perder o preço pago e o próprio bem. Para que se tenha uma noção mais aprofundada da presente questão, recorramos novamente a um exemplo prático: ao adquirir um imóvel o comprador não toma as devidas cautelas e acaba por não pedir ao vendedor a apresentação da certidão de distribuição de ações cíveis. Após pagar o preço ajustado, o comprador é cientificado de que o vendedor respondia à execução judicial e que a venda do bem o levou à insolvência propositada, caracterizando-se o que se denomina de fraude à execução. O juiz que preside o processo, reconhecendo a fraude à execução, decreta a nulidade do negócio jurídico e determina que o bem seja reintegrado a patrimônio do devedor e responda pela execução, acabando o mesmo por ser arrematado em hasta pública. O comprador que pagou integralmente o preço perdeu também a propriedade e somente poderá buscar a reparação do dano em face do vendedor, o que nem sempre é factível.
Riscos sempre existirão, mas podem ser reduzidos ou até mesmo afastados. Para tanto, três passos são muito importantes: a) análise da documentação atualizada do imóvel; b) análise dos documentos atualizados do vendedor – ou vendedores; e c) vistoria do imóvel.
Em relação ao imóvel, o vendedor deve apresentar certidão de propriedade (expedida aquém de 30 dias – na verdade o quanto mais atual melhor); certidão municipal que demonstre não haver pendência quanto recolhimento do IPTU; certidão de inexistência de débitos condominiais – se caso – e últimas 12 contas fornecimento de serviços como água, energia elétrica e gás.
Ao se analisar a certidão de propriedade o comprador deve observar se o vendedor é, de fato, proprietário do imóvel e se o mesmo se encontra livre de ônus reais, tais como caução, hipoteca ou penhora. À luz da certidão municipal o comprador poderá verificar se há alguma pendência tributária sobre o imóvel, já que a obrigação é propter rem, ou seja, vinculada ao imóvel. Por fim, a certidão a ser emitida pelo condomínio se presta a demonstrar se há taxas condominiais pendentes, vez que a obrigação condominial também se vincula ao imóvel, bem como as taxas pela prestação de serviços penas concessionárias de serviços públicos.
Em relação ao vendedor, hão de ser solicitados seus documentos pessoais – inclusive do cônjuge ou companheiro(a) – tais como cédula de identidade, cédula de inscrição no CPF/MF, certidão de casamento ou de reconhecimento de união civil ou estável. Na hipótese de se trata de pessoa jurídica, estes documentos devem ser apresentados por todos os sócios, além do contrato ou estatuto social. Hão ainda de ser solicitados e analisados os seguintes documentos: certidão negativa do INSS se empregador e do FGTS se pessoa jurídica; certidão negativa das Fazendas Municipal, Estadual e Federal; certidão de distribuição de ações cíveis; certidão de distribuição de ações criminais; certidão de distribuição de ações trabalhistas e certidão de protestos.
A análise dos documentos acima mencionados certificará o comprador sobre a existência ou não de algum risco, atual ou futuro, que possa recair sobre o imóvel, caracterizando-se fraude à execução ou mesmo fraude contra credores. Destarte, evita-se a nulidade ou anulabilidade do negócio realizado.
Outrossim, a análise da inexistência de débitos tributários sobre o imóvel é essencial, pois se houver alguma pendência desta natureza, não se poderá proceder à transcrição da propriedade até que esta seja regularizada.
Muito importante também é a vistoria do imóvel. Antes de adquirir o bem, o comprador deve vistoriar o imóvel, verificando o estado em que o mesmo se encontra e o funcionamento de todos os aparelhos que o guarnecem. A vistoria tem por escopo cientificar o vendedor do real estado do imóvel de sorte a evitar a posterior reclamação, exceção feita aos vícios que não são aparentes.
A vistoria também é medida importante para que fique assegurado às partes que o imóvel será vendido naquele mesmo estado e com todos os aparelhos existentes, evitando que haja surpresa com a retirada de acessórios.
Reiteramos, todos negócios jurídicos, por mais simples que seja, apresentam ricos maiores ou menores. As medidas ora tratadas, em que pese em breve síntese, trazem consigo o condão de tornar o negócio jurídico mais seguro.
Posto isto, aconselhamos que a venda e compra seja acompanhada por um advogado habilitado e passamos a apresentar de forma sintética os documentos que hão de ser solicitados e analisados – com máxima atenção – quando da aquisição de um imóvel:
Documentos do vendedor (pessoa jurídica)
- Cópia autenticada do contrato social ou estatuto social na Junta Comercial
- Documentação registrada na Junta Comercial de quaisquer alterações contratuais ou estatutárias
- Carta com data da última alteração do contrato ou estatuto
- Certidão negativa de débito com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS)
- Certidão negativa de débitos estaduais obtida na Secretaria de Estado da Fazenda
- Certidão negativa de ações na Justiça do Trabalho
- Certidão negativa de ações na Justiça Federal
Documentos do vendedor (pessoa física)
- Cópia autenticada do RG e CPF, inclusive do cônjuge ou companheiro(a)
- Certidão de casamento, de união estável ou união civil
- Comprovante de residência atual
Documentos do imóvel
- Escritura definitiva em nome dos vendedores, registrada no Cartório de Registro de Imóveis
- Certidão negativa vintenária de ônus reais
- Registro de ações reipersecutórias e alienações
- Certidão negativa de impostos municipais ou cópia do carnê de imposto predial dos últimos 5 anos
- Carnê do IPTU do ano, acompanhada de parcelas pagas até a data do negócio
- Averbação da construção junto ao Cartório de Registro de Imóveis
- Planta do imóvel aprovada pela prefeitura ou croqui com dimensões
- Certidão negativa de débitos condominiais (em caso de condomínio
Imóvel em inventário
- Caso haja um herdeiro menos, é necessária autorização de venda pelo Ministério Público
- Cópia autenticada do atestado de óbito
- Cópia autenticada do formal da partilha, documento do qual constam o imóvel e os herdeiros
- Certidão negativa vintenária de ônus reais
Contrato de venda e compra
- Informações das partes, como nome, RG, CPF, título de eleitoral, profissão e estado civil
- Valor total do imóvel
- Forma de pagamento
- Valor dado como sinal
- Período das parcelas pagas e taxas de juros envolvidas
- Multas envolvidas em caso de rescisão de contrato, atraso na entrega do imóvel ou entrega do imóvel em condições diferentes daquelas conhecidas e negociadas
- Comissão pela corretagem
- Caso o imóvel seja vendido com alguma mobília, os itens também devem constar do documento
[i] Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519 e OAB/RJ 213.221 – Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados e Owner e Legal Coach de Lawyers Coaching/Desenvolvimento de Performance e Competências Jurídicas – Conselheiro Secional da OAB/SP – Membro da IV Câmara do Tribunal e Ética e Disciplina da OAB/SP, Presidente da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB/SP – Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) – Certificado em Compliance Anticorrupção (LEC) – Personal, Professional e Leader Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching (SBC) – Professor de Pós-Graduação Direito Processual do Trabalho– Associado Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) – Associado à Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – Associado à Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) – Associado à Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo (AATSP) – Associado ao Instituto Brasileiro de Compliance (IBC) – Associado ao Instituto de Compliance do Brasil (ICB) – Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e relevantes artigos jurídicos.
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