[Artigo] Compliance e Gestão Trabalhista: A ditadura do “não se deve”
Fernando Borges Vieira[i]
Atuando na defesa dos interesses de empresas nacionais e estrangeiras a mais de vinte anos, sempre busquei reserva quanto à “tropicalização” de normas de condutas e políticas oriundas das matrizes, sobretudo as norte-americanas.
Não raras vezes, a matriz de empresas multinacionais determina que suas normas e políticas sejam aplicadas em todas suas unidades, independentemente do país em que estejam sediadas. A padronização de condutas e políticas traz – ao menos sobre o aspecto formal – segurança à organização; todavia, não se pode ignorar o fato de que pretender impô-las a profissionais de distinta cultura favorece o surgimento de desencontros.
Para que possamos compreender o que denomino de “desencontros” é oportuno, mesmo que em brevíssima síntese, atentar à uma primordial diferença entre o Brasil e os EUA: enquanto os norte-americanos adotam o modelo jurídico do Common Law – sistema de tradição inglesa –, nós adotamos o modelo da Civil Law.
No sistema norte-americano a presunção está mais direcionada ao ônus probatório e com a regra do julgamento, competindo à acusação provar a culpa do acusado, somente havendo de ser condenado aquele contra o qual houver prova razoável; já em nosso país há uma abrangência conceitual consideravelmente maior, por força da qual o imputado goza da presunção de inocência (princípio da não-culpabilidade), isto é, o estado de inocência é regra a ser observada, apenas podendo se considerar o acusado culpado após o trânsito em julgado de sentença condenatória (CF, artigo 5º, inciso LVII).
Não tratamos neste artigo da responsabilidade penal, mas traçamos esta distinção sumária para que partamos de uma necessária certeza, qual seja, há vigorosa diferença entre o modo norte-americano de compreender as relações sociais e o modo por meio do qual nós as percebemos.
Estes dois modos de compreender distintamente as relações sociais repercutem diretamente na forma de se conceber as relações trabalhistas, sociais que são.
Assim, não é exagero conceber a ideia de que nos EUA as empresas, sob a pretensão de evitar litígios civis e criminais, buscam se proteger por meio de normas e políticas corporativas, prevendo as mais diversas e possíveis situações, determinando o fazer e não-fazer, o permitido e o não-permitido, o recomendável e o não-recomendável.
Conhecendo os blue books de algumas empresas, cito dois exemplos recorrentes: a) não se recomenda que empregados de sexos distintos permaneçam sozinhos em qualquer ambiente da empresa e b) não se permite que empregados se cumprimentem com um beijo na face, a não ser que haja mútuo e explícito consentimento – aliás, a grande maioria das empresas proíbe expressamente que seus empregados tenham qualquer contato físico (v.g., tocar as costas de um(a) colega ao pedir passagem ou segurar seu braço durante uma conversa).
Pode parecer exagero – e de fato muitas vezes o é – mas as o judiciário estadunidense costuma prolatar e manter sentenças estipulando indenizações por vezes vultosas e, por conseguinte, as empresas buscam se precaver.
Entretanto, “tropicalizar” estas normas e políticas – simplesmente traduzindo seus textos – nem sempre é a medida mais adequada, pois a cultura entre os países é diferente e, por conseguinte, a realidade, sendo esta a razão de minha reserva.
É necessário que as empresas brasileiras tenham a inteligência de adaptar as normas globais à nossa realidade, sempre com atenção e cautela para que o fim colimado seja alcançado, qual seja, evitar o ajuizamento de ações por meio das quais se pretenda a reparação de danos morais experimentados por vítimas de assédio moral e assédio sexual, dentre outras formas de constrangimento aos quais empregados e empregadas podem estar submetidos.
Em contrapartida, importante alertar o brasileiro que visita a sede de empresas multinacionais sobre a necessidade de que conheça os costumes locais e, principalmente, as normas e políticas vigentes no país em que estão sediadas.
Oportuno findar este breve artigo convocando atenção, no entanto, ao fato de que não se pode permanecer refém da “ditadura do não se deve”, sobretudo porque normatização interna alguma será capaz de contemplar todas e quaisquer ações ou inações por parte de empregados e empregadores. Vou além, buscar estabelecer tais condutas pode impor um efeito colateral indesejado, qual seja, o “engessamento” nas relações de trabalho, retirando o quinhão de liberdade (sadia liberdade) que muitas vezes é benéfica a um ambiente de trabalho produtivo.
Recomendamos, pois, que as empresas nacionais se dediquem sim a estabelecer normas e políticas de conduta sob o escopo de propiciar um ambiente de trabalho equilibrado, respeitoso e saudável, mas o façam de forma factível e sob as diretrizes do bom senso.
Em futuros artigos voltaremos a tratar do tema em questão, sempre conduzindo as letras no sentido de estabelecer a consciência de que o respeito é a força motriz que deve prevalecer nas relações e inter-relações entre empregados e empregadores.
[i] Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519 e OAB/RJ 213.221 – Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados – Bacharel em Direito (FMU) – Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) – Mestre em Direito (Universidade Mackenzie) – Certificado em Compliance Anticorrupção (LEC) – Personal, Professional e Leader Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching (SBC) – Professor de Pós-Graduação Direito Processual do Trabalho – Membro do Grupo de Pesquisa em Direito do Trabalho da Universidade Mackenzie – Diretor do Núcleo de Direito Processual do Trabalho da OAB/SP/Jabaquara – Associado Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) – Associado à Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – Associado à Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) – Associado à Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo (ATSP) – Associado ao Instituto Brasileiro de Compliance (IBC) – Associado ao Instituto de Compliance do Brasil (ICB) – Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e relevantes artigos jurídicos.
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