Tributação de anúncios na Internet por sites de busca
Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (“TIT-SP”) analisou, recentemente, disputa envolvendo a possibilidade de incidência do ICMS relativo à prestação de serviços de comunicação (“ICMS-Comunicação”) sobre a veiculação de anúncios na Internet por sites de busca.
No caso analisado (acórdão proferido nos autos do Processo Administrativo nº 4.010.254-3), as autoridades fiscais estaduais haviam lavrado auto de infração sob o argumento de que a veiculação de propaganda e publicidade via Internet trataria de prestação de serviço de comunicação sujeita à incidência do ICMS-Comunicação.
Diante das particularidades desta atividade e apesar de a disputa ter sido resolvida com base em uma questão meramente processual, três posições foram defendidas, quanto ao mérito, no referido julgamento da Câmara Superior: a) a de que deveria incidir o ICMS-Comunicação; b) a de que o imposto incidente seria o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (“ISS”); e c) a de que não haveria autorização para a incidência de nenhum dos dois impostos anteriores, por tratar-se de “obrigação de dar”.
Diante das divergências entre as interpretações dadas ao tema, o presente artigo tem como objetivo comentar a decisão do TIT-SP, bem como analisar o entendimento do Supremo Tribunal Federal (“STF”) em casos análogos para, ao final, apresentar nossa conclusão.
Caso concreto julgado pelo TIT-SP
Como dito acima, as autoridades fiscais lavraram auto de infração visando à cobrança de ICMS-Comunicação sobre a suposta prestação de serviço de comunicação na veiculação de propaganda e publicidade via Internet, com base no artigo 155, II da Constituição Federal de 1988 (“CF/88”) e no artigo 2o, III, da Lei Complementar n o 87/1996 (“LC 87”).
O ICMS-Comunicação está previsto no art. 155, inciso II, CF/88, assim disposto:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…) II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; ”.
Já a LC 87 trouxe, em seu art. 2o, inciso III, a hipótese de incidência do ICMS-Comunicação, nos seguintes termos:
“Art. 2° O imposto incide sobre:
(…) III – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer “natureza;
Um dos argumentos defendidos pelo contribuinte autuado para demonstrar que os serviços prestados não se sujeitariam ao ICMS-Comunicação foi o fato de não possuir infraestrutura necessária para prestar um serviço de comunicação, apresentando-se, portanto, como mero dependente e consumidor da infraestrutura das concessionárias de telecomunicação e dos provedores de Internet.
Além disso, argumentou que (i) a natureza de seus serviços é de mera cessão de espaço em sua página virtual, prestando serviço de valor adicionado e não de comunicação, uma vez que apenas agrega valor a uma comunicação pré-estabelecida (equiparando-se aos provedores de acesso à Internet) e que (ii) não contribui de qualquer forma para a elaboração do material publicitário que veicula.
No julgamento do caso, o recurso especial do contribuinte acabou não sendo conhecido por falta de uma decisão paradigma adequada, mas, mesmo assim, os juízes da Câmara Superior do TIT-SP expuseram suas posições sobre o tema.
Análise do voto vencido do relator
O posicionamento refletido no voto do juiz relator, que acabou sendo vencido, foi no sentido de que, a partir da edição da Lei Complementar nº 157/2016 (“LC 157”), os Municípios passaram a ser autorizados a cobrar ISS sobre a inserção de qualquer material de propaganda.
Neste ponto, cumpre destacar que a LC 157 alterou a Lei Complementar no 116/2003 (LC 116), que passou a vigorar com a inclusão do item 17.25 na lista de serviços tributados pelo ISS, qual seja:
“17.25 – Inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, em qualquer meio (exceto em livros, jornais, periódicos e nas modalidades de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita).”.
No entendimento do relator, a LC 157 não só passou a autorizar a tributação dos serviços acima pelo ISS como dirimiu conflito de competência entre Municípios e Estados. Para o relator, a LC 157 serviu para confirmar que os Estados nunca tiveram autorização para a cobrança de ICMS sobre os serviços em questão e que os Municípios, somente a partir de 01.01.2017, teriam autorização para tributar os mesmos serviços pelo ISS.
Análise do voto vencedor
Para a maioria dos juízes da Câmara Superior, contudo, a mera cessão de espaço em página virtual já caracterizaria a prestação do serviço de comunicação, não sendo necessário que o contribuinte autuado disponha de infraestrutura física para tanto.
De acordo com a posição vencedora, a tributação dos serviços de comunicação pelo ICMS dispensaria a existência de troca de mensagens, com emissor e receptor devidamente definidos; exigindo, apenas, a presença de atividades de emissão e recepção prestadas por um terceiro, diferentes do emissor e receptor.
E, com base nessas premissas, concluiu:
“A recorrente, detentora de infraestrutura comunicacional (…), assume o papel de canal (3o), pois detém a tecnologia suficiente a que seus clientes (emissores-tomadores de serviço) a contratem (preço do serviço) para que realize o serviço de tornar públicas suas mensagens (conteúdo de painéis eletrônicos; de outdoors eletrônicos) destinadas a receptores, se não determinados, determináveis ao acessarem o site da recorrente, cujo código para reconhecimento das mensagens enviadas pelos emissores é por ele reconhecido.”.
Análise do voto de preferência, também vencido
Por fim, de acordo com o voto de preferência proferido no caso, não seria cabível a incidência de ICMS-Comunicação tendo em vista que: (i) a cessão de espaço virtual não se caracteriza como uma obrigação de fazer e sim de dar; (ii) o contribuinte é mero tomador de serviço de telecomunicação, que é prestado pelas empresas geradoras de sinais de Internet e (iii) não há interação entre o emissor e os eventuais receptores (público alvo), muito menos remuneração, para que a mensagem circule, fatores estes que seriam essenciais para que houvesse a incidência do referido imposto estadual.
De acordo com o voto de preferência, portanto, a veiculação de anúncios na Internet por sites de busca seria uma “obrigação de dar”, inalcançável pelo ICMS-Comunicação, na medida em que o anúncio fica alocado em um espaço no site de busca, representando mera cessão de espaço virtual e não uma efetiva prestação de serviço de comunicação.
Portanto, ao qualificar a veiculação de propaganda em sites de busca pela Internet como sendo uma “obrigação de dar”, o voto de preferência conclui que nem mesmo a alteração promovida pela LC 157 autorizaria a incidência do ISS, pois não haveria prestação de serviço.
Entendimento do STF em discussões semelhantes
No Agravo de Instrumento nº 854.553, o STF reconheceu que a sublocação ou a cessão secundária de direito de uso de espaços publicitários em ônibus não se enquadra no conceito de serviços de propaganda e publicidade ou de agenciamento.
Naquele caso, definiu o STF que o contribuinte era o único titular do direito de exploração de espaço publicitário em ônibus no Município de Belo Horizonte, de modo que não poderia ser consideradointermediário para enquadramento no serviço de agenciamento (item 10.08 da lista anexa à LC 116). Além disso, definiu que a atividade em questão não se enquadraria como serviço de propaganda e publicidade (item 17.06 da lista anexa à LC 116), vez que o contribuinte não promovia vendas e não elaborava peças publicitárias, limitando-se a ceder o espaço para veiculação pelos interessados.
Nesse sentido, o julgado citado reafirmou o entendimento previsto na Súmula Vinculante nº 31 do STF, que prevê que “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”, mesmo que a veiculação em espaço no ônibus fosse considerada como uma cessão de direito.
No pano de fundo dessa discussão, voltou-se a analisar a distinção necessária entre locação de bens móveis – que representaria obrigação de dar – e a efetiva prestação de serviços – que representaria, no entendimento adotado pelo STF até então, obrigação de fazer.
Apesar disso, o assunto ainda demanda o exame do recente julgado do STF nos autos do RE 651.703, publicado em 26.4.2017 (Tema 581), que julgou, sob o regime de repercussão geral, a incidência do ISS nas atividades realizadas pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde.
Nesse julgamento o STF definiu que a interpretação do conceito de “serviços” na CF/88 possuiria sentido mais amplo do que tão somente aquele conectado ao conceito de uma “obrigação de fazer”, conforme havia sido sinalizado nos autos do RE no 547.245 e do RE no 592.905, ao permitir a incidência do ISS nas operações de leasing financeiro e leaseback.
Conforme definiu o STF, o engessamento da classificação em “obrigação de dar” e “obrigação de fazer” para fins de definição da tributação pelo ISS escapa à vontade do legislador, que é a de “captar todas as atividades empresariais cujos produtos fossem serviços, bens imateriais em contraposição aos bens materiais, sujeitos a remuneração no mercado”.
Conclusão
Analisando os argumentos apresentados, somos da opinião que, anteriormente à edição da LC 157, que incluiu o item 17.25 (inserção de materiais de propaganda e publicidade em qualquer meio) na lista anexa à LC 116, em vigor a partir de 01.01.2017, o serviço de veiculação de anúncio na Internet feito pelos sites de busca não era passível de tributação, nem pelo ISS nem pelo ICMS-Comunicação.
Não era passível de cobrança pelo ISS, pois não havia sido expressamente incluída na lista de serviços passíveis de tributação pelo referido imposto municipal.
Também não era e continua não sendo passível de tributação pelo ICMS-Comunicação, pois, nos termos do art. 2o, inciso III, da LC 87, a incidência desse imposto estadual pressupõe a existência de uma prestação onerosa, que possui como condição a existência de um emissor, um receptor e uma mensagem devidamente definidos. De acordo com a doutrina, há a necessidade de que “estejam presentes: a) a determinação do emissor e do receptor da mensagem; b) a bilateralidade da relação entre ambos e; c) a onerosidade vinculada a esta relação interativa.”[1].
No caso de veiculação de anúncios na Internet por sites de busca, é impossível que se determine os receptores dos referidos anúncios, de modo que a cadeia para caracterização da prestação onerosa (emissor, receptor e mensagem transmitida) não estaria completa.
De outro lado, para que haja a efetiva veiculação de anúncios na Internet, tanto os sites de busca quanto os receptores finais (internautas) dependem da existência de uma infraestrutura de telecomunicação e de um provedor de acesso à Internet para que efetivamente possam, respectivamente, disponibilizar e acessar o material publicitário no ambiente virtual. Dentro deste contexto, os sites de busca são tomadores do serviço de comunicação e não se apresentam como prestadores dele, o que impossibilita que suas receitas sejam tributadas pelo ICMS-Comunicação.
Com a edição da LC 157 e, ainda, tendo em vista a tendência do STF de permitir a incidência do ISS sobre serviços em geral – com uma visão mais abrangente do que a anterior dicotomia estabelecida entre “obrigação de dar” e “obrigação de fazer” – parece-nos que, apenas a partir de 01.01.2017, há elementos para justificar-se a incidência do ISS na veiculação de anúncios na Internet através dos sites de busca – o que, ao final, acaba reforçando a impossibilidade de incidência simultânea do ICMS-Comunicação sobre os mesmos serviços.
Fonte: Jota
26 de outubro de 2017.
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