Entrevista de emprego: cautelas a serem observadas pelo anunciante e entrevistador
Podemos compreender que o contrato de trabalho conserva três fases: a pré-contratual, a contratual e a pós-contratual. O anúncio de vaga de emprego e eventual entrevista realizada pelo contratante integram a fase pré-contratual na qual, muito embora ainda não tenha sido efetivada a contratação, implica em responsabilidade.
Os contornos da relação de trabalho são desenhados nos processos seletivos, onde empregados se candidatam aos postos de trabalho oferecidos pelos empregadores. Este é um momento delicado, pois ainda que não exista vínculo de emprego, alguns deveres pré-contratuais precisam ser observados reciprocamente. Falhar em cumprir estas obrigações pode gerar prejuízos para todos os envolvidos, conforme considera Raphaella Reis1.
O processo de seleção inaugura a fase pré-contratual e o anunciante e o entrevistador hão de guardar cuidado com suas condutas. Muito embora possa parecer tarefa fácil anunciar a existência de uma vaga de emprego, certo é que o empregador-anunciante há de guardar certas cautelas ao fazê-lo, sob pena de promover verdadeiro ato de discriminação.
Conforme preceitua a Constituição Federal e a Consolidação das leis do Trabalho, os critérios de admissão para vagas de emprego hão de se fundamentar exclusivamente em requisitos técnicos e relacionados às especificidades da função a ser exercida, não podendo se fazer constar preferências pessoais para a contratação.
Mais precisamente, em publicação de oportunidades de emprego é vedada a determinação de raça, sexo, religião, opinião, nacionalidade, deficiência ou qualquer outra circunstância pessoal ou social.
Relevante convocar atenção ao inciso I do art. 373 A da Consolidação das leis Trabalhistas:
Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: I – publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir; (.)
Há algumas exigências que também são vedadas, tais como a de ter o(a) candidato(a) “boa aparência”, seja graduado(a) em determinada universidade ou faculdade, que resida em determinada localidade e que conserve mais de 6 (seis) meses de experiência – esta última vedação sendo objeto do art. 442-A da norma consolidada: Para fins de contratação, o empregador não exigirá do candidato a emprego comprovação de experiência prévia por tempo superior a 6 (seis) meses no mesmo tipo de atividade.
Importante salientar, nada obstante não se pode exigir que o(a) candidato(a) resida em determinada localidade, pode o anúncio estabelecer que “preferencialmente” resida em locais próximos onde se dará a prestação de serviços, pois a locomoção de pontos muito distantes podem impactar até mesmo na qualidade de vida daquele(a) a ser contratado.
Também não é permitido anunciar vaga de emprego para menores de 14 (quatorze anos), pois os mesmos apenas poderão ser contratados para cargos de aprendizado sob a condição de menores trabalhadores (aprendizes), sendo necessária a permissão de pais, tutores legais ou responsáveis.
Ressalte-se que a exigência de investimento financeiro prévio como requisito para admissão em oportunidade de emprego é crime. Incluem-se em tais investimentos o pagamento de treinamentos, provas de títulos, avaliações intelectuais, psicológicas ou práticas, taxas, compra de materiais, cursos pagos, exames admissionais ou quaisquer outros gastos, que são de responsabilidade da empresa contratante.
A lei 9.029 de 1995 também proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, além de vetar outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, impedindo que sejam adotadas práticas discriminatórias ou que restrinjam o acesso ao emprego ou à sua manutenção.
Ocorre, se determinada profissão a condição de gestante é um fato impeditivo por deixar em risco a gestação, pode-se sim exigir atestado de gravidez, mas se trata de exceção à regra acima exposta e somente pertine a hipóteses muito específicas.
O mesmo se diga em relação aos portadores do vírus HIV (AIDS). Em 2014 o Ministério do Trabalho e Emprego publicou que reiterou orientações e diretrizes para o combate à discriminação de pessoas com HIV e AIDS nos locais de trabalho. Nos ternos do regramento, exames diagnósticos devem ser voluntários e sem qualquer tipo de coerção, nenhum trabalhador pode ser obrigado a fazer um teste de HIV ou a revelar seu estado sorológico. A portaria orienta, ainda, que os resultados dos testes de HIV são confidenciais e não devem interferir no acesso ao emprego.
Todavia, quer no parecer razoável que se peça ao(à) candidato(a) à uma vaga de cirurgião(ã) que apresente exames que comprovam que o(a) mesmo(a) goza de perfeita condições de saúde, pois é necessário evitar que aqueles(as) que irão se submeter à intervenção cirúrgica tenham sua saúde resguardada.
Outras atividades também podem exigir exames específicos, por exemplo: do(a) operador(a) de telemarketing pode se exigir a audiometria daquele(a) que trabalhará em uma indústria de química pode se exigir exames de sangue; daquele(a) que trabalhará em uma indústria alimentícia poderá se exigir exame de fezes e urina.
Quaisquer que sejam os métodos adotados, deve-se verificar sua aceitação ética e limitar a avaliação da aptidão profissional do candidato para a execução das funções. Informações sobre a esfera da vida privada do empregado só se permitem excepcionalmente, quando apresentam relevância para a execução das funções que serão executadas, em nome da liberdade de contratação conferida ao empregador.
Oportuno salientar, o Tribunal Superior do Trabalho firmou posicionamento – correto em nossa opinião – não ser a Justiça do Trabalho competente para conhecer a matéria, haja vista não haver relação de trabalho instituída:
I – AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA VIGENCIA da lei 13.467/17. DECISÃO MONOCRÁTICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ANÚNCIOS DE EMPREGO DISCRIMINATÓRIOS. ATO ILÍCITO QUE PRECEDE À FORMAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Tendo em vista possível violação do art. 114, I, da Constituição Federal, dou provimento ao recurso de agravo interno para adentrar no exame do agravo de instrumento . Agravo interno provido. II – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA VIGENCIA da lei 13.467/17. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ANÚNCIOS DE EMPREGO DISCRIMINATÓRIOS. ATO ILÍCITO QUE PRECEDE À FORMAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Mostra-se prudente o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista, para prevenir possível violação do art. 114, I, da Constituição Federal . Agravo de instrumento provido. III – RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/14 E INTERPOSTO ANTES DA VIGÊNCIA da lei 13.467/17. Discute-se nos autos a competência desta Justiça Especializada para processar e julgar ação com a finalidade de proibir publicação, por jornais de grande circulação , de anúncios de emprego com cunho discriminatórios. A Constituição Federal é categórica ao definir que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho (Art. 114, I). O quadro fático é de que a hipótese é de relação de consumo, ou seja, não oriunda de relação de trabalho, com pretensão de coibir jornal de grande circulação de publicar anúncios de emprego, como já ressaltado, com cunho discriminatório. Diante desse contexto, o acórdão do Regional, ao admitir a competência da Justiça do Trabalho, violou o art. 114, I, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR: 182001120075020008, Data de Julgamento: 11/3/20, Data de Publicação: DEJT 13/3/20)
Outrossim, o entrevistador deve conservar muito cuidado no desenvolvimento de sua conversa com o candidato à vaga do emprego.
O Portal RH3 o entrevistador deve se preparar para a entrevista, conhecendo a descrição do cargo, considerando as dificuldades enfrentadas (p.ex. turnover), preparando um roteiro para a entrevista com a elaboração de perguntas analíticas.
Em apertada síntese, o portal sugere seja a entrevista desenvolvida sob o seguinte roteiro:
Histórico Profissional (40% do tempo): Avalie – em ordem cronológica – a história profissional do candidato, observando seu progresso nos conhecimentos, suas habilidades, seus gostos, suas aversões e seus fracassos.
Histórico Educacional (20% do tempo): Avalie – em ordem cronológica – a formação cultural e o treinamento do candidato, observando sua orientação vocacional, suas matérias preferidas, o seu tipo de vida social nas escolas que frequentou e suas atividades extracurriculares.
Histórico Familiar (20% do tempo): Avalie os antecedentes familiares, o temperamento, o caráter dos pais, o “status” socioeconômico, o tipo de educação recebida, como o candidato passou a sua infância, sua adolescência e sua juventude.
Ajustamento Social (20% do tempo): Avalie o candidato face à sua família, à sociedade e à determinados grupos sociais, políticos e religiosos. Avalie sua classe social, sua estabilidade econômica e suas atividades associativas.
Além destas técnicas, oportuno esclarecer que poderão ser aplicados testes para aferir as competências do candidato; inclusive – se o cargo exigir – a entrevista pode se dar em idioma estrangeiro.
Contudo, o entrevistador não deve observar a melhor técnica e sim – sobretudo – sua postura ética diante do candidato.
A postura do entrevistador, além de isenta, deve ser proba. Não são raros os casos de assédio moral e/ou sexual em entrevistas de emprego, razão pela qual recomendamos – fortemente – não se proceda das seguintes formas:
Tocar o(a) entrevistado(a) a qualquer pretexto;
Olhar “intimamente” para o(a) entrevistado(a);
Promover perguntas realmente íntimas;
Promover convites pessoais;
Promover promessas particulares sob eventuais vantagens;
Promover comentários discriminatórios, preconceituosos e sexistas; e
Agir de qualquer modo com o condão de constranger o(a) entrevistado(a).
Em nossa compreensão, o “segredo” é manter o foco profissional sob inafastável ética. Ainda, recomendamos que em determinadas situações o entrevistador se faça acompanhar por outrem.
O sítio The Intercept Brasil4 traz matéria de autoria de Débora Lopes, em cuja oportunidade apresenta um caso concreto de assédio ocorrido em entrevista de emprego, relatando a vítima:
Ele falou exatamente as mesmas coisas da chamada de vídeo. Não tinha necessidade nenhuma de eu ter ido para lá. Ao falar, ele ficava encostando no meu braço, na minha perna, e eu já estava com medo, mas não queria alimentar isso na minha cabeça.
Por fim, a regra é a de jamais submeter o candidato a qualquer forma de discriminação ou constrangimento, seja em anúncios ou durante as entrevistas, pis, como sempre afirmamos: melhor prevenir a indenizar!
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