A Pirâmide financeira de criptoativos: Como proceder ao ser vítima desta fraude?
Em tempos atuais – não raras vezes – assistimos o “derretimento” de verdadeiros esquemas fraudulentos no mundo dos criptoativos. Este artigo se dedica, mesmo que em breve notícia, a tratar acerca do funcionamento destes estratagemas e a delinear a responsabilidade civil e criminal. Para tanto, faz-se oportuno traçar os conceitos de blockchain, criptoativo e criptomoeda, a partir dos quais desenvolveremos nossas considerações:
Blockchain: podemos compreendê-la como uma rede que se dedica a registrar, de forma criptografada, as informações de determinada transação, tal como se fosse um livro contábil. Por seu intermédio, coleta-se e compartilha-se dados transacionais de diversas origens, os quais são divididos em blocos compartilhados, encadeados e identificados na forma de hashes (algoritmos). A blockchain por ser permissionada ou pública. Na permissionada – ou privada – as organizações definem os usuários que terão permissão para acessar conjuntos de dados específicos; na pública, por sua vez, a participação é irrestrita, sendo controlada por algoritmos e regras de consenso.
Criptoativo: podemos definir criptoativo como ativo digital cuja transação se dá por meio eletrônico e de forma descentralizada. As informações circulam em uma rede “ponto a ponto” ou, como conhecida, peer-to-peer (P2P).
Criptomoeda: a criptomoeda é uma espécie das espécies de criptoativo. Não se considera uma criptomoeda como moeda de curso legal, razão pela qual não há tutela direta por parte de autoridade pública. Assim, criptomoedas são moedas virtuais descentralizadas, as quais não são controladas por órgão governamental.
Superadas estas considerações preliminares, passamos a enfrentar o conceito de pirâmide financeira, pois é considerável o detrimento experimentado por aqueles que acabam por “investir” em criptoativos por meio de blockchains que mascaram verdadeira fraude.
Pirâmide financeira – a qual não se confunde com marketing multinível1 – é um modelo fraudulento de negócios baseado no recrutamento de “investidores”, cujos aportes são utilizados em favor da obtenção de lucros e para pagamento de dividendos aos demais participantes. Este esquema não se sustenta, pois certamente chegará o momento em que não haverá mais o ingresso de novos aportes, perdendo-se a força para pagamento àqueles que ingressaram anteriormente.
Trata-se de crime! Desde 1940 o Código Penal define em seu art. 171 – sob a rubrica lateral de estelionato – ser crime obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Este “modelo de negócio” também é tipificado, mais especificamente, como delito desde 1951, quando entrou em vigor a lei 1.521, a qual versa sobre os crimes contra a economia popular. Prevê o inciso IX do art. 2º de referido regramento ser crime obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (“bola de neve”, “cadeias”, “pichardismo” e quaisquer outros equivalentes).
Neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA C/C INDENIZAÇÃO – PIRÂMIDE FINANCEIRA – NEGÓCIO JURÍDICO NULO – IMPOSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO DE EFEITOS JURÍDICOS. A prática de “pirâmide financeira” é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, constituindo crime contra a economia popular, conforme dispõe o art. 2º, IX, da lei 1.521/51. Não tem a parte direito de exigir o cumprimento de negócio jurídico declarado nulo em razão da ilicitude do seu objeto. (TJ-MG – AC: 10145130215240001 MG, Relator: Baeta Neves, Data de Julgamento: 25/8/20, Data de Publicação: 27/8/20)
Registre-se o fato de que os “investidores” são vítimas e não hão de ser considerados como partícipes, nada obstante tenham se beneficiado, ao menos ao início, e concorrido para o desenvolvimento da fraude. Por que muitos ainda acabam ingressando, desavisadamente, em esquemas desta natureza? Os “investidores” são atraídos pela promessa de maior rentabilidade e se deixam ludibriar por promessas muito bem estruturadas, essência do estelionato. Ainda, como de fato acabam por receber dividendos acima dos investimentos ordinários de mercado, são animadas a promover mais aportes e a convidar outras pessoas a participar deste “investimento fantástico”.
Ocorre, chega-se ao momento em que as blockchains não suporta mais o pagamento dos dividendos e costumam a agir de dois principais modos: simplesmente deixam de adimplir suas obrigações e desaparecem sem deixar rastros (como se fosse inteiramente possível) ou comunicam os investidores de que por determinado período não promoverão o pagamento dos dividendos, sempre atribuindo a responsabilidade ao mercado e buscando esquivar-se de uma responsabilidade que bem sabem conservar.
O negócio é viciado na origem! Tanto o é, muitos negócios são fundada em instrumentos de contrato que estabelecem, por exemplo, a vedação de que os saques dos valores aportados não possam ocorrer antes de determinado período. Tal cláusula não é somente abusiva, mas tem o intuito único de sustentar o esquema da “pirâmide financeira” pelo máximo de tempo possível antes da inevitável queda; afinal, retendo os valores aportados, é possível pagar os “frutos” do negócio com a utilização nos novos aportes.
Ainda, busca-se a contratação por intermédio de Sociedade em Conta de Participação (SCP), sempre se arguindo que os investidores são, em “verdade” sócios do negócio. Em suma, a SCP – topo de societário não personificado – é caracterizada por quadro societário integrado pelo sócio ostensivo e pelo sócios participante (oculto). Nos termos da legislação, o ostensivo é o responsável por atuar individualmente em nome da sociedade e será o único a responder perante terceiros, enquanto o participante é injeta recursos na sociedade e participa dos seus resultados.
Esta sociedade tem sido descaracterizada judicialmente em razão da fraude, compreendendo-se tratar de verdadeira relação tutelada pelo direito consumerista, tal como já decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:
FRAUDE. PIRÂMIDE FINANCEIRA. Captação fraudulenta de recursos no mercado, mediante promessa de lucros vultosos, instrumentalizada por contrato de mútuo que tinha como beneficiária empresa de turismo (Fasttur). Esquema de pirâmide financeira. A prática é ilegal e constitui crime contra a economia popular. Relação de consumo bem caracterizada. Inépcia inexistente. Legitimidade passiva do sócio, sobretudo após a desconsideração da personalidade jurídica, corretamente agitada desde a inicial. Abuso evidente. Inteligência dos arts. 28, § 5º, do CDC e 134, § 2º, do CPC. Disputa sobre a responsabilidade de um suposto sócio oculto que tipifica res inter alios perante os consumidores, quadro que se reforça diante da inatividade da empresa. Resolução do contrato, como espécie de direito desconstitutivo-formativo, a autorizar a recondução das partes ao estado anterior. Fiança hígida. Hipótese em que a notificação escrita do evento segurado ocorreu dentro do prazo contratual. Renúncia ao benefício de ordem que se identifica na espécie. Pagamento do prêmio que não cabia ao consumidor, mas à afiançada. Precedentes da Corte e desta Câmara. Recursos desprovidos. (TJ-SP – AC: 10024935720208260704 SP 1002493-57.2020.8.26.0704, Relator: Ferreira da Cruz, Data de Julgamento: 23/3/22, 28ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/3/22)
Relevante observar que a fraude pode ensejar a despersonalização da pessoa jurídica, acabando por ser atingido o patrimônio pessoal dos sócios responsáveis.
Além do aspecto penal, as vítimas podem (devem!) pretender judicialmente a reparação de todos os danos materiais e a indenização pelos danos morais sofridos, tanto se dando com esteio nos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Por ilustração, traga-se decisão do Tribunal de Justiça do Pernambuco:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO. TELEXFREE. PIRÂMIDE FINANCEIRA. RESCISÃO DO CONTRATO E RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELO. DESPROVIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. DECISÃO UNÂNIME. 1. O autor firmou contrato de adesão junto à ré, tendo investido a quantia de R$ 65.208,00 para realizar as atividades noticiadas por ela, quais sejam, divulgação, intermediação e agenciamento de negócio, desenvolvendo uma rede de divulgadores, oferecendo-lhes treinamento, material de apoio, controle, acompanhamento e suporte e, ainda, remunerando-os sob estrutura lógica do marketing multinível binário (item 2.1 do Regulamento Geral acostado à inicial – fls. 138/141). 2. Logo após o investimento realizado, a demandada suspendeu suas atividades e teve seus bens bloqueados pela Justiça sob a suspeita da prática de pirâmide financeira (e não de marketing multinível). 3. Evidencia-se que a atividade da Ré objetivava induzir em erro os contratantes, mediante promessa de que iriam receber lucros exorbitantes ao desembolsar baixo investimento para aderir a contrato, restando cristalino, ainda, que aquela realizava a denominada pirâmide financeira, sistema esse que gerava lucro única e exclusivamente aos criadores do empreendimento, já que não há prova de que tenha repassado absolutamente nada ao autor, ônus da prova que lhe incumbia. Registre-se que a inicial afirma o investimento no valor de R$ 65.208,00, não tendo havido qualquer impugnação quanto a este valor, tampouco notícia de repasse de qualquer quantia em contraprestação. Dessa maneira, a rescisão contratual torna-se imperiosa e de mesma forma, o ressarcimento do aludido valor ao Autor. 4. Apelo ao qual se nega provimento. (TJ-PE – APL: 4195266 PE, Relator: Jovaldo Nunes Gomes, Data de Julgamento: 5/12/18, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 4/1/19)
Como, pois, há de agir vítima quando perpetrada e descoberta a fraude, a qual se caracteriza em análise última pelo não pagamento dos dividendos e retenção dos valores aportados? Sugerimos as seguintes medidas:
Reúna todos os documentos que comprovem a contratação e os aportes realizados;
Formalize junto a blockchain o pedido de saque dos valores aportados;
Registre boletim de ocorrência por meio da Delegacia Eletrônica2;
Formalize denúncia junto ao Procon de seu estado3;
Promova apontamento nos sites destinados ao registro de reclamações de consumidores;
Noticie a fraude àqueles que tenham ingressado no “negócio” por sua indicação; e
Busque a orientação de um advogado especializado, o qual há de deflagrar as medidas cabíveis como o ajuizamento de ação judicial para reparação dos danos experimentados e oferecimento de notícia-crime, atuando – quando oportuno – como assistente do Ministério Público.
Por fim, a regra mais importante: sempre tenha muito cuidado ao investir seu patrimônio – muitas vezes a economia de uma vida – e conserve os seguintes cuidados:
Tenha senso crítico e perceba com cautela e reserva as propostas de negócios;
Não creia em promessas de retorno garantido e rápido;
Não creia em promessas de dividendos de mercado não razoáveis;
Conheça e compare as opções de negócios;
Não concentre todo seu patrimônio em um único portifólio;
Conheça a instituição que se propõe a gerenciar o negócio, pesquisando-a junto ao Banco Central e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM); ainda, pesquise o Índice de Basiléia, o qual determina o nível de risco e a saúde das instituições;
Conheça com atenção as garantias do negócio;
Durante a operação, mantenha-se atento aos sinais sobre a saúde do negócio e do mercado;
Utilize as boas práticas de segurança digital; e
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Como costumamos afirmar, sempre é melhor prevenir!
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