
Principais aspectos do ordenamento jurídico trabalhista norteamericano
Prof. Ms. Fernando Borges Vieira[1]
O ordenamento jurídico brasileiro difere do norteamericano desde sua origem. Nosso regramento funda-se no sistema romano-germânico – Civil Law – o qual conserva por supedâneo a lei positivada e codificada; o norteamericano, por sua vez, funda-se no sistema anglo-saxão – Common Law – , sustentando-se nos costumes e direito jurisprudencial.
A organização judiciária estadunidense é, outrossim, distinta de nossa realidade. Enquanto no Brasil há um poder judiciário nacionalmente estruturado e controlado por um único órgão (Conselho Nacional de Justiça), a justiça americana não é uniforme e inexiste organismo nacional controlador. Se em nosso país há um ordenamento jurídico federal – a exemplo da Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal, Código de Processo Penal, Consolidação das Leis Trabalhistas e considerável série de leis extravagantes – nos Estados Unidos cada um dos 50 estados possui autonomia para regular a justiça, ou seja, são as Constituições Estaduais que se dedicam a regular a organização dos tribunais e os procedimentos processuais, dentre outros aspectos.
Partindo-se desta brevíssima noção, certo é que o ordenamento jurídico trabalhista norteamericano difere estruturalmente do brasileiro. No Brasil, os direitos dos trabalhadores estão basicamente previstos e garantidos pela Constituição Federal, Consolidação das Leis Trabalhistas, leis extravagantes – não se pode olvidar portarias do Ministério do Trabalho e Previdência, normativas do Ministério Público do Trabalho, Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho –; já nos Estados Unidos, o principal regramento é a Fair Labor Standards Act (FLSA), editada pelo Presidente Franklin Delano Roosevelt em 1938.
Reiterando o fato de que cada estado norteamericano conserva competência própria, a Fair Labor Standards Act (FLSA) traz diretrizes fundamentais. Passamos a destacar, pois, os pontos que consideramos mais relevantes em relação ao direito trabalhista estadunidense, quais sejam; a) jornada de trabalho; b) atuação dos sindicatos; c) período de férias; d) modos de pagamento de salários; d) procedimentos de demissão; e) regras sobre atestados médicos; f) licença-maternidade e g) décimo-terceiro salário.
No Brasil, a jornada padrão de trabalho é de 8h diárias e 44h semanais; nos Estados Unidos a jornada é de 40h semanais com limite de 8h por dia. Se no Brasil a regra geral em relação à sobrejornada de trabalho é o adicional de 50% sobre o valor-hora normal e 100% na hipótese de sobrelabor aos domingos e feriados, naquele país o adicional é de 150%, independentemente se exercido o labor em dia útil ou não. Importante destacar que o trabalhador norteamericano apenas terá direito à percepção de horas extras caso seu labor ultrapasse as 40h semanais; assim, se trabalhar 12h em um dia e 7h nos demais dias da semana – perfazendo 40h – não terá direito ao adicional.
Nos EUA as atividades dos sindicatos (Unions) são regulamentadas por uma lei específica – National Labor Relations Act (NLRA) – cabendo a cada trabalhador decidir se deseja ou não ser representado. No Brasil, os sindicatos representam a categoria dos trabalhadores, não podendo um trabalhador optar por não ser representado – o que não se confunde a liberdade de se sindicalizar ou não se sindicalizar. Em verdade, os direitos trabalhistas naquele país são menos afetados pelas normas sindicais, propiciando contratos negociados com menor intervenção da entidade e mais flexibilidade entre o empregado e o empregador.
Em nosso país estamos acostumados a usufruir 30 dias de férias após alcançado o período aquisitivo de 12 meses, não se olvidando a possibilidade de fracionamento – nos termos da lei – e de venda de um terço do período integral e o fato de que, em razão das férias, há antecipação de salário e o pagamento do adicional de um terço sobre tal valor. Todavia, nos Estados Unidos inexiste tal direito, cabendo às empresas estabelecer suas próprias normas. Quando o trabalhador desejar usufruir alguns das de descanso, há de pleiteá-lo junto ao empregador, nos termos estabelecidos pela empresa, geralmente negociados no ato da contratação.
Em relação à remuneração, em nosso país há a figura do salário-mínimo (hodiernamente, R$ 1.212,00) e do piso salarial da categoria, considerando-se – em regra mais comum – o período mensal. Nos EUA, o salário-mínimo é estabelecido por hora e cada estado pode definir valores próprios, respeitado o mínimo federal (hodiernamente, US$ 7.25), havendo dois modelos de pagamento: o nonexempt (não isento) e o exempt (isento). No primeiro – mais comum – o trabalhador recebe conforme as horas trabalhadas, inclusive extras, ou um valor certo fixado pelo empregador; no segundo, a empresa oferece um salário anual, sem vinculação às horas trabalhadas e, portanto, sem direito ao adicional de horas extras. O exempt (isento) exige sejam atendidos os seguintes requisitos: a) o empregado deve ganhar pelo menos US$ 455 por semana ou US$ 23.600 ao ano; b) pagamento fixado em valor de salário, não por hora; e c) o cargo precisa fazer parte das funções permitidas pelo governo, sendo que a FLSA prevê a possibilidade de contratação no regime não isento para cargos executivos, profissionais e administrativos, o que torna a norma bastante ampla. Ainda, há leis que estendem este modelo a outras categorias a exemplo de estagiários, estrangeiros e temporários.
Uma das principais diferenças entre Brasil e EUA é o fato de que neste país não existe o aviso-prévio, fundo de garantia e indenizações de distintas naturezas – excetuando-se a hipótese de práticas discriminatórias por parte do empregador ou fatos que possam ensejar danos material ou moral. Como não há aviso prévio é comum ocorrer a cena com a qual nos deparamos em filmes: o empregado é demitido, arruma seus pertences em caixas e deixa a empresa de imediato. Geralmente, o ato de demissão é acompanhado por um gestor de recursos humanos (sobretudo em grandes companhias) ao qual caberá explicar os motivos da rescisão contratual.
Importante salientar, pode empregado e empregador ajustar no ato da contratação formas distintas de rescisão contratual, inclusive combinando eventual valor indenizatório ou outras condições.
Nada obstante haver casos em que seja imperioso o empregado ausentar-se em razão de problemas de saúde, há apenas uma recomendação médica federal em relação à concessão de “folga remunerada”, não se tratando de regra que obrigue os empregadores. O trabalhador apenas receberá pelas horas não trabalhadas, neste caso de problemas de saúde, caso haja previsão contratual ou o estado em que se dá a prestação de serviços possuir normativa a respeito.
Ao ensejo, aproveitando o tema, a licença-maternidade nos EUA é de 12 semanas e não é remunerada, garantindo a lei federal apenas a manutenção do emprego. Certo é, muitos estados possuem um ordenamento jurídico mais favorável à parturiente, excepcionando-se a regra geral.
Por fim, se no Brasil o trabalhador recebe um 13º salário (gratificação natalina), nos EUA não há previsão deste direito. Entretanto, não raro as empresas prevejam uma gratificação anual sob critérios preestabelecidos; trata-se de um bônus, não havendo – pela lei geral – obrigação por parte do empregador.
Comi visto, o ordenamento jurídico trabalhista estadunidense e o brasileiro diferem em sua essência, sendo estes os aspectos que julgo mais relevantes em tratar neste breve artigo, recomendando conheçam as normas trabalhistas estaduais para um conhecimento mais específico.
[1] Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519, OAB/MG 189.867, OAB/PR 94.745, OAB/RJ 213.221 – Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados e Owner e Legal Coach de Lawyers Coaching/Desenvolvimento de Performance e Competências Jurídicas – Conselheiro Secional da OAB/SP (2019-2021) – Membro da IV Câmara do Tribunal e Ética e Disciplina da OAB/SP (2019-2021) – Presidente da Associação Nacional de Coaching Jurídico (ANCJur) – 1º Presidente Nacional da Comissão Especial de Coaching Jurídico do Conselho Federal da OAB (2020-2021) – Membro da Comissão de Especial de Gestão, Empreendedorismo e Inovação da OAB Nacional (2019-2021)– Presidente da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB/SP (2019) – Membro Efetivo da Comissão de Coaching Jurídico da OAB/RJ (2019/2021) – Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Leadership and Team Development (International Business Management Institute de Berlim – Alemanha) – Certificado em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) – Personal, Professional e Leader Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching (SBC) – Associado Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) – Associado à Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – Associado à Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) – Associado à Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo (AATSP) – Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e artigos jurídicos.
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