
A Síndrome da Cabana e o Transtorno de (re)adaptação ao trabalho – CID 10-F43
Prof. Ms. Fernando Borges Vieira[1]
Os primeiros casos suspeitos de Covid-19 foram notificados em dezembro de 2019 e já em março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu por pandemia o contágio pelo novo Coronavírus. Tal condição provocou vigorosas – algumas, creio, hão de permanecer – mudanças na dinâmica das relações e interrelações sociais, dentre as quais, as trabalhistas.
O trabalho presencial, em acato ao decreto de estado de emergência em saúde pública de importância nacional (Espin) – conhecida como emergência sanitária –, foi suspenso. Muitas empresas perceberam-se obrigadas a suspender e até mesmo encerrar suas atividades e outras tantas passaram a desenvolvê-las remotamente, adotando regime de teletrabalho ou, como já introduzido em nosso vocabulário, home office.
Findo o momento mais crítico da pandemia, em maio do presente ano o Ministério da Saúde, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou o fim de referido estado de emergência, flexibilizando as medidas sanitárias
Certo é, ultrapassada a fase mais grave, muitas empresas retomaram o regime de trabalho presencial ou híbrido, determinando que seus empregados retornassem integral ou parcialmente ao seus postos de trabalho.
Ocorre, não raras vezes, empregados apresentam atestados médicos, por meio dos quais noticiam aos empregadores não ser possível reassumir o trabalho presencial, alegando “transtorno de adaptação”, doença assim capitulada no Código Internacional de Doenças (CID): 10- F43 – Reações ao Stress Grave e Transtornos de Adaptação.
Em verdade, o CID tem sido utilizado por empregados que sofrem – ou julgam sofrer – a “síndrome da cabana”. Tal síndrome, de modo suscinto, revela-se na dificuldade de que pessoas enfrentam ao retornar à sua rotina após o período de isolamento, conduzindo-as a um sentimento de angústia, do qual decorrem uma série de sintomas.
A Síndrome da Cabana está diretamente ligada à experiência do ser humano ficar longos períodos em isolamento social. Para alguns indivíduos, esse tipo de acontecimento pode ser um gatilho. O termo foi descrito no início dos anos 1900, em função de pessoas que permaneciam em lugares remotos para caçar, isolando-se por longos períodos e, quando retornavam ao convívio social, por vezes não conseguiam retomar a rotina e desenvolviam uma fobia de sair do ambiente doméstico e de se relacionar com os outros.[2]
Assim, transtorno de adaptação ou stress emocional pode ser definido como um estado de desequilíbrio do funcionamento psíquico e orgânico que ocorre quando o organismo necessita utilizar seus recursos psicobiológicos para lidar com eventos que exijam uma ação defensiva. O transtorno de adaptação é desencadeado pela necessidade da pessoa de lidar com algo que ameaça sua homeostase ou equilíbrio interno. Quando os recursos do momento são insuficientes devido à vulnerabilidade pessoal ou à ausência de estratégia de enfrentamento ou, ainda, pela gravidade ou intensidade do estressor presente, o organismo pode ser afetado em sua plenitude com consequências graves para a saúde física ou mental.[3]
Importa salientar, os sintomas que caracterizam as “Reações ao Stress Grave e Transtornos de Adaptação” são específicas e hão de ser diagnosticadas por profisisonais habilitados. Não é qualquer ausência de vontade de retornar ao trabalho presencial que caracteriza a doença, sendo necessário o reconhecimento de verdadeiro desequilíbrio psíquico e orgânico desencadeado pela ordem de retorno ao posto de trabalho.
Após tanto tempo de isolamento todos nós – sem exceção – desenvolvemos novas dinâmicas comportamentais e alteramos nossa rotina: novo horário de despertar, refeições caseiras, maior convívio com a família, ganho de tempo e produtividade em razão da desnecessidade de deslocamento e outars tantas vantagens. Com algumas exceções, considerável parte dos trabalhadores pode preferir permanecer nesta “zona de conforto”; entretanto, é preciso saber que o empregador tem o direito potestativo de exigir retornem os empregados ao trabalho presencial.
Não podem os empregados, simplesmente por desejarem permanecer nesta “zona de conforto”, se negarem a retornar ao trabalho presencial alegando sofrer transtorno de adaptação que – reitero – há de ser clinicamente diagnosticado, ressalvando-se o direito do empregador em determinar a subsunção do empregado a exame médico específico por profissional que integra os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMET) ou pela empresa indicado.
O transtorno de adaptação precisa ser cuidadosamente avaliado e é tratável. No entanto, há pouca evidência que respalde haver tratamentos específicos. Uma ampla gama de psicoterapias individuais ou em grupo, incluindo psicoterapia breve, terapia cognitivo-comportamental e psicoterapia de apoio, tem sido utilizada com sucesso, sendo que a terapia costuma ter como alvo lidar com um problema específico, como a tristeza, conforme John W. Barnhill , MD. New York-Presbyterian Hospital.
Caso o trabalhador esteja simulando a doença sob o fito de não retornar às atividades presenciais por lhe convir, o médico poderá sinalizar o CID 10 Z.76.5: Pessoa fingindo ser doente (simulação consciente). Esta condição poderá, inclusive, ensejar a rescisão motivada do contrato de trabalho, consoante recentes decisões – paradigmas – dos Tribunais Regionais do Trabalho, conforme se passa a ilustrar exemplificativamente.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região considera que a apresentação de atestado médico constando CID de simulação de doença, para furtar-se ao comparecimento ao trabalho, constitui ato de improbidade, ensejando a rescisão contratual por justa causa, a teor do artigo 482, línea “a” da Consolidação das Leis do Trabalho.[4]
No mesmo diapasão a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, em cuja decisão o magistrado destacou: “a gravidade da conduta obreira, ao alterar a verdade com o fim de obter vantagem, revela conduta desonesta e de má-fé, fazendo quebrar a confiança que deve circundar a relação de trabalho. (…) mantenho a justa causa aplicada ao reclamante. Em consequência do reconhecimento judicial do acerto do empregador em dispensar o trabalhador, por justa causa, indevidas as verbas trabalhistas pleiteadas (…)”. [5]
O entendimento foi o mesmo na decisão em favor da empresa pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª, foi julgado improcedente o pedido de empregado que buscava a reversão da justa causa aplicada pela apresentação de laudo médico com sinalização do CID acima referido. O Desembargador Altino Pedroso dos Santos, apontou que “o funcionário caracterizou motivo suficiente para abalar a confiança necessária para a manutenção do contrato de trabalho, sendo, portanto, válida a demissão por justa causa”.
Ao empregado recomendamos busque avaliação médica especializada para a apuração cautelosa e criteriosa da hipótese de CID 10- F43; se o diagnóstico confirmar a síndorme, noticie o fato a empregador, entregando-lhe a respectiva documentação médica, além de buscar tratamento psiquiátrico ou psicológico para seu restabelecimento. Por sua vez, ao empregador recomendamos exerça o direito de confirmar a pcisopatologia e, caso de fato constatada, ofereça ao empregado todo o suporte necessário, observando o período de licença médica e, se caso, o afastamento previdenciário – todavia, se constatada fraude (realmente constatada), considere o emrpegados a aplicação das medidas disciplinares cabíveis, podendo, inclusive, significar a rescisão motivada do contrato de trabalho.
Por fim e em breve síntese, hão de ter cautela, tanto o empregado quanto o empregador no que concerne à alegação do Transtorno de Adaptação, cabendo a ambos investigar seu real diagnóstico e tomar as devidas providências, as quais poderão culminar – ser real – no afastamento previdenciário do empregado e – se falsa – até mesmo na rescisão motivada do contrato de trabalho.
Transtorno de Adaptação é patologia a ser considerada em sua gravidade, passando ao largo da mera vontade do empregado em permanecer em sua residência por ser medida de mera conveniência.
[1] Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519, OAB/MG 189.867, OAB/PR 94.745, OAB/RJ 213.221 – Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados e Owner e Legal Coach de Lawyers Coaching/Desenvolvimento de Performance e Competências Jurídicas – Conselheiro Secional da OAB/SP (2019-2021) – Membro da IV Câmara do Tribunal e Ética e Disciplina da OAB/SP (2019-2021) – Presidente da Associação Nacional de Coaching Jurídico (ANCJur) – 1º Presidente Nacional da Comissão Especial de Coaching Jurídico do Conselho Federal da OAB (2020-2021) – Membro da Comissão de Especial de Gestão, Empreendedorismo e Inovação da OAB Nacional (2019-2021)– Presidente da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB/SP (2019) – Membro Efetivo da Comissão de Coaching Jurídico da OAB/RJ (2019/2021) – Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Leadership and Team Development (International Business Management Institute de Berlim – Alemanha) – Certificado em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) – Personal, Professional e Leader Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching (SBC) – Associado Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) – Associado à Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – Associado à Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) – Associado à Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo (AATSP) – Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e artigos jurídicos.
[2] Wimer Bottura, médico psiquiatra presidente da ABMP (Associação Brasileira de Medicina Psicossomática) e membro do grupo de professores da cadeira de Psicologia Médica da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) in Síndrome da cabana: medo excessivo de sair de casa tem relação com pandemia (uol.com.br) consultado em 22 de junho de 2022.
[3] Lipp, & Rocha, 1996; Magalhães, 2003; Steiner, & Perfeito, 2004; Andrade, & Lotufo Neto; 2004; Savoia, 2003; Yehuda, & McEwen, 2004; Steptoe, 2005.
[4] TRT-2 10003206520195020073 SP, Relator: WILSON FERNANDES, 6ª Turma – Cadeira 2, Data de Publicação: 09/10/2019.
[5] TRT-6 – RO: 00004844620195060005, Data de Julgamento: 30/07/2020, Quarta Turma.
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