
Acidente de trajeto
Fernando Borges Vieira[i]
Para que possamos compreender de modo oportuno o que se tem a conhecer sobre o acidente de trajeto, mister se faz entendamos o que vem a ser acidente de trabalho.
Conforme dispõe o artigo 19 da Lei nº 8.213/91, acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
Por expressa determinação legal, as doenças profissionais e/ou ocupacionais equiparam-se a acidentes de trabalho, conforme estabelecido nos incisos do artigo 20 da lei em comento:
doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
Não sendo possível determinar todas as hipóteses de doenças profissionais do ou trabalho, o § 2º do mencionado artigo da Lei nº 8.213/91 estabelece que em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.
Outrossim, o artigo 21 Lei nº 8.213/91 equipara ainda a acidente de trabalho:
I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;
II – o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de:
- a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;
- b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;
- c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;
- d) ato de pessoa privada do uso da razão;
- e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;
III – a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;
IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
- a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;
- b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;
- c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão de obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;
- d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
- 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.
- 2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às consequências do anterior.
Preocupa-nos, neste artigo, a previsão da alínea d do inciso IV da Lei de Benefícios da Previdência Social, a qual equipara a acidente de trabalho aquele ocorrido no trajeto da residência para o local de trabalho ou deste para aquela – o fundamento para essa equiparação é o entendimento de que, ao realizar esse percurso, o empregado se encontra à disposição do empregador, muito embora a Reforma Trabalhista tenha alterado a redação do § 2º do artigo 54 consolidado, conforme trataremos a seguir.
Via de regra, o acidente de trajeto – ou in itinere – equipara-se ao acidente de trabalho apenas no que se refere a repercussões de natureza previdenciária (benefícios e estabilidade acidentária). Com efeito, há o empregador de emitir a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) à Previdência Social, de forma que seu empregado, em caso de afastamento, possa usufruir do benefício previdenciário de auxilio acidente.
O empregado que sofrer acidente de trajeto – de trabalho, por equiparação – terá o direito à estabilidade no emprego por doze meses, independentemente do gozo do auxílio acidente, conforme regra do artigo 118 da Lei nº 8.213/91.
Alerta-se ao fato de que, com a promulgação da Lei 13.467/2017 houve a supressão do direito às horas “in itinere” com a alteração da redação do §2º do artigo 58 da Consolidação das Leis do Trabalho, o qual passou a ter a seguinte redação, saber:
CLT, art. 58 (…) § 2o O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.
Entretanto, a alteração da legislação trabalhista foi apenas no tocante às horas in itinere, em nada se alterando a caracterização do acidente de trajeto como sendo acidente de trabalho, ao contrário do que chegaram a defender alguns.
Por fim, o empregador deve ter cautela ao emitir a CAT e verificar, de forma adequada, se o acidente realmente se deu no trajeto entre residência e local de trabalho ou vice-versa, sendo que há ser considerado o itinerário habitual do empregado.
Conforme entendimento jurisprudencial, para que o acidente de trajeto seja considerado como tal, o trabalhador deverá estar no caminho que habitualmente realiza o que se conhece como nexo topográfico.
A jurisprudência majoritária também compreende que se o caminho vier a ser alterado para atender ordem do empregador em determinado dia ou se o desvio tacanho, mantém-se a caracterização do acidente de trabalho. Entretanto, se o desvio for considerável, poderá haver a descaracterização.
Neste sentido, o voto da ministra Delaíde Miranda Arantes nos autos do processo TST-AIRR-25400-59.2010.5.17.0101:
A delimitação fática da matéria demonstra que o ex-empregado da reclamada, sofreu acidente de trabalho quando vinha da casa de sua namorada e retornava para o trabalho. Mas, de acordo com o acórdão recorrido, não há prova de que o empregado falecido estivesse a serviço da empresa no momento do acidente. O Tribunal Regional entendeu que houve alteração substancial do trajeto habitual, pois o acidente ocorreu após haver o autor saído da casa de sua namorada, “rompendo-se assim o nexo topográfico”. De acordo com o art. 21 da Lei 8.213/91, equipara-se o acidente de trajeto ao acidente profissional (IV, “d”, do mesmo diploma legal), pois o período em que o empregado realiza o percurso de sua casa ao local da atividade laboral ou vice-versa é considerado como tempo à disposição de seu empregador. Desse modo, o destino final do empregado deve ser a empresa ou, tratando-se de fim do expediente, a sua moradia.
Assim, em tese, um pequeno desvio manobrado pelo empregado durante o trajeto que realiza não tem o condão de descaracterizar eventual acidente de trabalho ocorrido durante o percurso. Não obstante, evidenciada a alteração substancial no percurso do empregado, fica descaracterizado o acidente de trajeto, pois o destino final e imediato deve ser a residência do trabalhador ou o seu local de trabalho.
Na dúvida a empregadora deve emitir a CAT, sendo certo que sua emissão não importa no reconhecimento de culpa, tal qual também defendeu a Ministra:
Cabe ao empregador emitir a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) à Previdência Social para que seu empregado, em caso de afastamento, possa gozar do benefício previdenciário de auxílio-acidente bem como para fins de estabilidade. Portanto, o fato de a empresa ter emitido a CAT conquanto comprove a existência de acidente de trabalho, não implica em sua condenação por dano moral, sendo necessário aferir a presença dos requisitos ensejadores da responsabilidade civil.
Importante, pois, permaneçam as empresas atentas para que não venham a responder por reparação material ou dano moral perante a Justiça Especializada do Trabalho.
[i] Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519, OAB/MG 189.867, OAB/PR 94.745, OAB/RJ 213.221 – Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados e Owner e Legal Coach de Lawyers Coaching/Desenvolvimento de Performance e Competências Jurídicas – Conselheiro Secional da OAB/SP – Membro da IV Câmara do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP – Palestrante da OAB/SP – Presidente da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB Nacional – Membro da Comissão de Especial de Gestão, Empreendedorismo e Inovação da OAB Nacional – Presidente da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB/SP (2019/2020) – Membro Efetivo da Comissão de Coaching Jurídico da OAB/RJ – Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Leadership and Team Development (International Business Management Institute de Berlim – Alemanha) – Certificado em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) – Personal, Professional e Leader Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching (SBC) – Associado Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) – Associado à Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – Associado à Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) – Associado à Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo (AATSP) – Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e relevantes artigos jurídicos.
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