
Poder disciplinar do empregador – advertência, suspensão e demissão motivada
Fernando Borges Vieira[1]
Podemos compreender por poder disciplinar do empregador a faculdade ao mesmo atribuída para aplicar penalidades disciplinares aos empregados em razão do descumprimento de regras contidas no contrato de trabalho, no regulamento de empresa, na norma coletiva ou na legislação.
O fundamento do poder disciplinar exercido pelo empresário nas relações laborais é uma faculdade deste, que o mesmo possui e desenvolve por delegação do ordenamento jurídico. A natureza do poder disciplinar é, pois, legal e se exerce como potestade delegada, se bem que por existir um contrato de trabalho.
Rachid Adacy Coutinho (in Poder punitivo trabalhista. São paulo: LTr, 1999) ressalta que se vislumbra na pactuação do contrato, um trabalho subordinado. O empregado é investido em uma situação de inferioridade negocial e, assim, em decorrência lógica desta, o poder de direção e aplicação de sanções é atribuído ao empregador.
Nilson de Oliveira Nascimento (in Manual do poder diretivo do empregador. São Paulo: LTr, 2009) nos ensina que o poder disciplinar age preventiva e repressivamente na manutenção da ordem da empresa e do bom ambiente de trabalho. Atua preventivamente, através de medidas profiláticas, defendendo a ordem antes que ocorra a lesão. Atua repressivamente, depois da ocorrência da lesão, através da aplicação das sanções disciplinares, com vistas à restituição da ordem interna e para servir de exemplo ao empregado para que não reitere na prática faltosa.
O empregador pode aplicar desde a advertência até a suspensão contratual (não superior a 30 dias – art. 474, CLT) e até mesmo rescindir o contrato de trabalho motivadamente, ou seja, por justa causa.
A advertência pode se darde forma verbal ou escrita e tem por objetivo cientificar comunicar ao empregado que o seu comportamento se deu em desconformidade com os comandos gerais e específicos ditados pelo empregador. Luiz José Mesquita (in Direito Disciplinar do Trabalho. São Paulo: LTr, 1991), explica que a advertência ou admoestação é um prévio aviso sobre possível irregularidade ou transtorno no serviço. É a mais branda das sanções disciplinares […]. Seu intento não é, propriamente, punir uma falta, mas preveni-la […]”. Conforme ensina Maurício Godinho Delgado (in Poder Empregatício. São Paulo: LTr, 1994.), “[…]a advertência compreende o primeiro instante de exercício do poder disciplinar em situações de conduta faltosa do empregado.”
A suspensão contratual disciplinar importa no afastamento provisório do empregado que ensejou uma falta de gravidade média. A suspensão contratual compreende a proibição do desempenho das atividades contratadas por um período não superior a 30 dias consecutivos, conforme artigo 474 consolidado, com prejuízo do recebimento dos salários e da contagem do tempo de serviço, como punição pela prática de um ato faltoso de natureza média. Se exceder esse limite de tempo, ficará configurada a despedida injusta do empregado.
Por fim, a ruptura contratual por motivo de justa causa, que representa a penalidade máxima aplicada pelo empregador ao empregado no contexto da relação jurídica de emprego, conforme estabelece o artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar. m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado. Parágrafo único – Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.
A justa causa exige a configuração de quatro elementos essenciais: a) imediatidade: Não pode haver o transcurso de um longo tempo entre o conhecimento da falta pelo empregador e a aplicação da penalidade, sob pena de configurar perdão tácito; b) proporcionalidade entre a falta e a punição: A justa causa deve ser aplicada para falta gravíssima, aquela que impede o prosseguimento da relação de emprego em razão da quebra de confiança. Para aplicar a penalidade mais adequada, o empregador deve sopesar o contexto em que ocorreu, o passado funcional do trabalhador, grau de instrução do trabalhador etc. c) non bis in idem: o empregador não pode punir o empregado duas vezes pela mesma falta e d) não discriminação: o empregador não pode punir de forma diversa empregados que praticaram a mesma falta.
Importante salientar, a graduação observada entre advertência, suspensão e demissão por justa causa não é exigível. O grau da sanção disciplinar deverá observar a gravidade da falta e a reincidência da mesma. Por exemplo: a) se o empregado se ausenta injustificada do trabalho, possível pensar em uma advertência; b) se o empregado volta a se ausentar de modo injustificado – reincidindo, portanto, na falta anterior – cabível a suspensão; e c) se o empregado ameaça de morte o empregador ou busca agredi-lo fisicamente, a rescisão do contrato de trabalho é a medida disciplinar que de impõe diretamente.
Em que pese inexista previsão legal para a gradação da pena, a não observância da escala crescente de medidas punitivas pode ferir o princípio da proporcionalidade entre o ato faltoso e a pena máxima, levando a reversão da justa causa aplicada, como compreende Marjorie Ferri (in Justa causa: da necessidade de gradação da pena – Migalhas (uol.com.br)). A autora convoca atenção ao fato de ser certo que o empregador deve observar no momento da aplicação da penalidade a proporcionalidade entre a falta cometida e a pena aplicada, evitando desproporção ou excesso. A advertência e suspensão, por sua vez, devem ser atuais e imediatas ao ato faltoso.
Recomendamos que o empregador permaneça atento e aplique ao empregado as sanções quando cabíveis (se cabíveis e sempre que cabíveis), pois se não o fizer restará caracterizado o perdão tácito da falta praticada.
Outrossim, recomendamos aos empregadores que apliquem as sanções com cautela e dentro da maior razoabilidade possível (se cabíveis e sempre que cabíveis); caso assim não o faça, o empregado terá a oportunidade de reverter a sanção – sobretudo a rescisão do contrato de trabalho – por meio de ação trabalhista e o empregador poderá sofrer condenação no sentido de reintegrar o trabalhador demitido, indenizá-lo pelas verbas trabalhistas do período de afastamento e até mesmo pelos danos morais eventualmente sofridos.
Como sempre costumamos afirmar, a firmeza e a prudência hão de ser nossas réguas, pois é melhor prevenir a indenizar!
[1] Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519, OAB/MG 189.867, OAB/PR 94.745, OAB/RJ 213.221 – Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados e Owner e Legal Coach de Lawyers Coaching/Desenvolvimento de Performance e Competências Jurídicas – Conselheiro Secional da OAB/SP – Membro da IV Câmara do Tribunal e Ética e Disciplina da OAB/SP – Palestrante da OAB/SP – Presidente da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB Nacional – Membro da Comissão de Especial de Gestão, Empreendedorismo e Inovação da OAB Nacional – Presidente da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB/SP (2019/2020) – Membro Efetivo da Comissão de Coaching Jurídico da OAB/RJ – Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Leadership and Team Development (International Business Management Institute de Berlim – Alemanha) – Certificado em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) – Personal, Professional e Leader Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching (SBC) – Associado Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) – Associado à Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – Associado à Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) – Associado à Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo (AATSP) – Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e relevantes artigos jurídicos.
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