
COVID-19: Como pode (deve) agir o empregador no caso do trabalhador se recusar a ser vacinado
Fernando Borges Vieira[1]
Atualmente muito se comenta sobre a possibilidade ou não de rescisão motivada o contrato de trabalho na hipótese do trabalhador se negar a ser vacinado. É preciso ter cautela sobre esta questão e nosso propósito é provocar algumas reflexões sobre o tema em favor de uma compreensão conscienciosa e correta.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei 13.979/2020. De acordo com a decisão proferida no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587, o estado pode impor aos cidadãos que recusem a vacinação as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola), mas não pode fazer a imunização à força – com efeito, compreendamos desse já que há dois aspectos a serem considerados, quais sejam: a) ninguém pode ser vacinado contra sua vontade e b) é possível haver medidas restritivas.
Trazendo a questão para a seara trabalhista, partimos do pressuposto de ser direito fundamental do trabalhador exercer suas atividades em um ambiente de trabalho saudável. Celso Antonio Pacheco Fiorillo (In Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 4ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2003), define meio ambiente do trabalho como o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometem a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos, etc.).
Leila Maria de Souza Jardim (in Direito fundamental do trabalhador ao meio ambiente de trabalho saudável. Disponível em https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8873/O-direito-fundamental-do-trabalhador-ao-meio-ambiente-de-trabalho-saudavel) salienta que as condições laborais influenciam na qualidade de vida do trabalhador e está diretamente relacionada à sua saúde, pois é no ambiente laboral que passa a maioria do tempo de sua existência e, por causa disso, é necessário dispor de um sistema constitucional que garanta direitos a essa parcela da sociedade.
O respaldo constitucional aos direitos trabalhistas é abrangente, vejamos: Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (…)
Assim, uma primeira consideração: o empregador tem o dever de guardar todas as cautelas contra a disseminação do vírus e contaminação dos empregados. Pode, entretanto, o empregador exigir que o empregado se vacine? A reposta mais adequada é, por enquanto, é “depende”. Depende basicamente das seguintes condições: a) que haja vacina à disposição de toda população e b) que não haja nenhuma contraindicação médica.
Hodiernamente, apenas os profissionais da área de saúde – em alguns municípios idosos também – estão sendo vacinados e a maior parte da população ainda não integra o grupo de pessoas que podem ser imunizadas; com efeito, não pode o empregador exigir que o seu empregado seja vacinado e muito menos rescindir, por tal motivo, o contrato de trabalho (exceção feita à área de saúde).
Outra possibilidade é da empregada esteja grávida ou do empregado que apresenta patologia diversa e que não lhe seja recomendável receber a vacina, a exemplo de alergia a um de seus insumos. Havendo contraindicação médica, não pode o empregado exigir de modo diverso, cabendo a empregada comprovar seu estado gravídico e o empregado eventual restrição ou comorbidade, sempre por atestado médico.
Caso não sejam observadas tais exceções, pode sim (em verdade deve!) o empregador exigir que seus empregados de vacinem, mas pensar em demissão como primeira medida não nos parece razoável, posto gravosa demais.
A justa causa exige a configuração de quatro elementos essenciais: a) imediatidade: Não pode haver o transcurso de um longo tempo entre o conhecimento da falta pelo empregador e a aplicação da penalidade, sob pena de configurar perdão tácito; b) proporcionalidade entre a falta e a punição: A justa causa deve ser aplicada para falta gravíssima, aquela que impede o prosseguimento da relação de emprego em razão da quebra de confiança. Para aplicar a penalidade mais adequada, o empregador deve sopesar o contexto em que ocorreu, o passado funcional do trabalhador, grau de instrução do trabalhador etc. c) non bis in idem: o empregador não pode punir o empregado duas vezes pela mesma falta e d) não discriminação: o empregador não pode punir de forma diversa empregados que praticaram a mesma falta.
Para se evitar a judicialização da questão e a reversão da justa causa, recomendamos que empregador observe a cadência lógica de sanções disciplinares, advertindo o empregado, suspendendo-o e, posteriormente, demitindo-o motivadamente. Sugerimos que, inicialmente, o empregado seja advertido, concedendo-lhe o prazo para que se imunize; caso não o faça no razoável prazo, seja o mesmo suspenso com o alerta de que a ausência de comprovação da vacinação (em dose única ou em duas doses) ensejará demissão por justa causa; por fim, se mesmo assim resistir a vacinação, acredito haja espaço para a rescisão do contrato nos termos da alínea “b” da Consolidação das Leis do Trabalho. O mau procedimento se refere ao comportamento inadequado do empregado, traduzido pela prática de atos que contrariem as regras da convivência harmônica, respeito e decoro, prejudicando as boas condições do ambiente de trabalho.
Não se olvide a possibilidade de o empregador trazer ao seu regimento interno a obrigatoriedade de vacinação e apresentação da carteira de vacinação como meio de comprovação – o que é perfeitamente possível. Se houver esta previsão e o empregado tem de acatá-la e, se não o fizer, o empregado poderá ser demitido por justa causa, agora a teor da alínea “h” do mesmo artigo consolidado, pois se configura ato de indisciplina o desacato às circulares, diretrizes, normas e regulamentos da empresa.
Ainda, podemos estar diante da possibilidade de empregado saber que está contaminado e, mesmo assim, ir trabalhar se sorte a colocar os demais em risco. Além desta conduta tipificar crime previsto no artigo 131 do Código Penal sob a rubrica lateral de “Perigo de Moléstia Grave[i]”, a falta grave ensejadora da rescisão será evidente e, de tão grave, prescinde – ao nosso sentir – a aplicação de sanções disciplinares de menor foça.
Guardada a modulação das sanções disciplinares, pode se estar diante das hipóteses elencadas nas alíneas “b” ou “h” da Consolidação das Leis do Trabalho e o empregador está autorizado a rescindir, em última instância, a rescindi o contrato de trabalho.
Finalizo considerando que o direito individual não pode se sobrepor ao direito coletivo e a vacinação – antes de uma obrigação sanitária – é uma questão de ética cívica, razão pela qual a vacinação pode (deve) ser exigida e poderá ensejar, em análise última – a rescisão motivada do contrato de trabalho. Como salienta o Juiz do Trabalho Marcelo Tolomei: Se a vacina é uma chance fundamental para isso, acho que o empresário tem a obrigação de exigir a vacinação e até demitir por justa causa quem se opõe a isso. Por outo lado, também tem que ser exigido do empresário que zele pelo bom ambiente de trabalho. Nem empregado nem empregador podem ser negacionistas (in Trabalhador que se recusar a tomar vacina pode ser demitido por justa causa | A Gazeta).
[1] Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519, OAB/MG 189.867, OAB/PR 94.745, OAB/RJ 213.221 – Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados e Owner e Legal Coach de Lawyers Coaching/Desenvolvimento de Performance e Competências Jurídicas – Conselheiro Secional da OAB/SP – Membro da IV Câmara do Tribunal e Ética e Disciplina da OAB/SP – Palestrante da OAB/SP – Presidente da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB Nacional – Membro da Comissão de Especial de Gestão, Empreendedorismo e Inovação da OAB Nacional – Presidente da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB/SP (2019/2020) – Membro Efetivo da Comissão de Coaching Jurídico da OAB/RJ – Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Leadership and Team Development (International Business Management Institute de Berlim – Alemanha) – Certificado em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) – Personal, Professional e Leader Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching (SBC) – Associado Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) – Associado à Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – Associado à Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) – Associado à Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo (AATSP) – Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e relevantes artigos jurídicos.
[i] Perigo de contágio de moléstia grave
Art. 131 – Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
0 Comentários