
Coaching vs. Psicoterapia – O necessário limite a ser observado!
Fernando Borges Vieira[1]
Com maior razão nas últimas duas décadas, muito se questiona sobre o limite de atuação de um coach, sobretudo quando se tem por comparação àquela reservada aos psicólogos. Este questionamento é muito salutar, não apenas e tão-somente para impedir o exercício de profissão regulamentada, mas – sobretudo – em defesa dos interesses dos próprios coachees.
Ao início, desde já se afirme com integral convicção: embora haja algumas similitudes, os objetivos e os processos de coaching e de psicoterapia são muitos distintos. Embora ambos se dediquem, grosso modo, ao aprimoramento do ser humano, é preciso guardar cautela e traçar o limite que separa a atuação de um coach e a atuação de um psicólogo – esta condição é de vital importância, sendo relevante estabelecer critérios objetivos que dirimam, por fim, esta questão.
Para que se compreenda, pois, a distinção entre o processo de coaching e de psicoterapia, entendo por oportuno defini-los, mesmo que em breve notícia, antes de enfrentarmos nosso propósito.
Trata-se o coaching de metodologia por meio da qual se busca gerenciar as habilidades do coachee e direcioná-las à consecução de um determinado escopo. As ferramentas e técnicas aplicadas visam, de forma objetiva, o aprimoramento do potencial humano, capacitando o coachee ao autoconhecimento, auxiliando-o no desenvolvimento de sua inteligência emocional e resiliência, apresentando técnicas de gestão de tempo e organizando o planejamento de metas, dentre outros benefícios.
Perceba-se, a atuação do coach conserva foco no estado presente do coachee e atua no sentido de potencializar sua capacidade de organizar seu futuro por meio de objetivos específicos e mensuráveis; por conseguinte, não se trará de processo de cura.
Já a psicoterapia, ato privativo de psicólogos, tem por maior – mas não única – razão o tratamento de distúrbios e transtornos mentais. Inclusive, os profissionais conservam a habilidade de ingressar, no decorrer do procedimento psicoterapêutico, em questões pretéritas e profundas da vida de seus pacientes e – após psicodiagnóstico – empregar sobre os mesmos técnicas capazes de fazê-los administrar ou superar desajustes e perturbações da psique.
Evidente que a psicoterapia segue muito além destas breves considerações, mas o propósito da presente manifestação não é o de enfrentá-las de modo absoluto, bastando que seja vinculada a ideia de cura ou de o quanto mais perto dela possa se chegar.
Por que, então, há certa confusão entre coaching e psicoterapia? A resposta é simples: porque ambos processos atingem o íntimo das pessoas e as fazem conhecer a si mesmas, a ponderar e refletir sobre suas próprias vidas, a reconhecer e enfrentar – se caso – os temores que porventura tenham e reprogramar suas condutas. O desígnio de ambos processos é determinar o crescimento humano e promover o avanço de uma vida com mais qualidade.
Quais, pois, as diferenças fundamentais estabelecidas – e que devem ser observadas, entre a atuação de um coach e de um psicoterapeuta? Para facilitar a necessária compreensão, buscamos tratar das principais distinções de forma esquemática:
COACHING | PSICOTERAPIA – PSICOLOGIA |
Profissão ainda não regulamentada | A profissão de psicólogo é regulamentada pela Lei 4.119/62 |
É uma abordagem pragmática direcionada a objetivos específicos | É uma abordagem clínica direcionada ao tratamento de distúrbios emocionais |
Auxilia cliente funcional a ser mais funcional | Auxilia paciente disfuncional a se tornar funcional |
Busca a possibilidade de desenvolvimento humano | Busca a razão (o porquê) de uma determinada disfunção ou transtorno |
Explora habilidades e potencialidades | Explora emoções e sentimentos relacionados a medos e sofrimento |
Tem foco em possíveis soluções para o futuro | Tem foco em situações pretéritas relacionadas ao sofrimento |
É uma prática proativa – busca se antecipar a possíveis problemas | É uma prática reativa – explora problemas já existentes |
Não se concentra no problema do coachee e sim em seus recursos | Concentra-se no problema para a partir deste busca superá-lo |
Reforça novos comportamentos e atitudes | Reforça a superação por meio do enfrentamento da emoção |
O período do processo de coaching é determinado | O período do processo de psicoterapia dificilmente é determinado |
O resultado é específico e relacionado às metas estabelecidas | O resultado é mais abrangente e repercute de um espectro mais amplo |
Há, por certo, outras tantas distinções, mas cremos ser estas as mais agudas.
Perceba-se, tanto o coaching como a psicoterapia balizam suas ações na mudança comportamental do indivíduo e por esta razão é que alguns coaches acabam por ingressar em seara restrita àqueles profissionais formados em psicologia – não se olvidando a psiquiatria.
Aos coaches se recomenda cautela, não apenas pela possibilidade de vir a exercer atos privativos de profissão regulamentada, mas principalmente para que não ingresse na psique humana e acabe por provocar malefícios ao coachee ou agravar condição de desequilíbrio emocional.
Aos coachees se recomenda cautela maior ainda, seja quanto à escolha do processo ao qual pretende se submeter, seja na eleição do profissional ao qual confiará referido processo.
Um profissional não habilitado ou pouco preparado poderá, certamente, provocar um dano irreparável em desfavor daquele sob sua orientação e, ao invés de ampará-lo em busca do aprimoramento pessoal e profissional, poderá – além de frustrar suas expectativas – guiá-lo por onde não deveria seguir.
Neste aspecto, uma ressalva, qual seja: não compete ao coach estabelecer as metas de seus clientes (como chegamos a observar) e sim propiciar que o próprio coachee as determine, auxiliando-o – de modo técnico – a organizar seu caminho em direção ao atingimento de seus objetivos. Coach é mero instrumento à disposição daqueles que não sabem qual caminho percorrer, pois muitas vezes sequer sabem onde querem chegar; coach é meio.
Eis a importância do coachee confiar seu “treinamento” a profissionais solidamente capacitados e reconhecidos por seu comprometimento ético, a profissionais que sabem reconhecer o limite entre o coaching e a psicoterapia, tutelando e garantindo o bem-estar e a segurança emocional do ser humano.
Reconhecer o coach até que momento pode seguir é medida de segurança que se impõe; reconhecer o coach as ferramentas e técnicas a serem utilizadas é medida de eficácia a ser observada e, reconhecer o coach a eventual necessidade de interrupção do “treinamento” e encaminhamento do coachee a psicoterapeuta, é medida de maior acerto.
Hão sim os coaches de empregar técnicas e ferramentas científicas, jamais olvidando qualquer oportunidade para que os coachees, por si só, tenham condições de reprogramar comportamentos, estabelecer metas factíveis e mensuráveis e desenvolver atividades voltadas ao atingimento destas. Entretanto – enquanto a profissão de coach ainda pende de regulamentação[2] – de se ter extremada cautela em seu exercício e, independentemente de qualquer amparo legal, de se ter responsabilidade.
Em suma, coaching não é psicoterapia; coach não é psicólogo e coachee não é paciente, razão pela qual recomenda-se aos coaches que busquem a capacitação adequada e atuem no limite destas.
Em nossa próxima manifestação trataremos mais especificamente do coaching jurídico, oportunidade na qual consideraremos seus aspectos específicos e abordaremos importantes recomendações sobre esta atividade e os profissionais que a desenvolvem.
Esperamos ter contribuído. Até o próximo artigo da Comissão Especial de Coaching Jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo.
Fernando Borges Vieira
Presidente da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB/SP
[1] Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519, OAB/MG 189.867, OAB/PR 94.745, OAB/RJ 213.221 – Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados e Owner e Legal Coach de Lawyers Coaching/Desenvolvimento de Performance e Competências Jurídicas – Conselheiro Secional da OAB/SP – Membro da IV Câmara do Tribunal e Ética e Disciplina da OAB/SP, Presidente da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB/SP Membro Efetivo da Comissão de Coaching Jurídico da OAB/RJ – Membro da Comissão de Especial de Gestão, Empreendedorismo e Inovação do Conselho Federal da OAB; Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) – Certificado em Compliance Anticorrupção (LEC) – Personal, Professional e Leader Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching (SBC) – Professor de Pós-Graduação Direito Processual do Trabalho– Associado Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) – Associado à Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – Associado à Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) – Associado à Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo (AATSP) –Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e relevantes artigos jurídicos.
[2] Tramita no Senado Federal sugestão de projeto, de iniciativa popular, para criminalizar a atividade do coach. A sugestão legislativa (SUG 26/2019) tramita prante a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). A relatoria é do senador Paulo Paim (PT-RS), ainda pendente de análise. Fonte: Agência Senado (https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/05/23/criminalizacao-ou-regulamentacao-do-coaching-esta-em-discussao-no-senado)
0 Comentários