Juíza do Trabalho não reconhece vínculo de emprego entre motorista e aplicativo Uber
A juíza Solyamar Dayse Neiva Soares, em exercício na 19ª Vara do Trabalho de Brasília, não reconheceu o vínculo de emprego entre um motorista e a Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Na sentença, a magistrada explicou que o trabalhador não conseguiu comprovar a existência dos elementos que caracterizaram uma relação de emprego, como habitualidade, onerosidade, pessoalidade e subordinação.
Na reclamação, o motorista afirmou que seu trabalho tinha os elementos que configurariam vínculo empregatício, mas que seu contrato de emprego não foi registrado em sua CTPS. Disse, ainda, que em virtude do não reconhecimento do vínculo, não foram cumpridas as obrigações decorrentes do vínculo, nem de seu término. Em defesa, a empresa sustentou que não havia relação de emprego, mas uma relação meramente comercial entre as partes.
Elementos tipificadores
Na sentença, a magistrada explicou que a caracterização do vínculo de emprego depende da presença dos elementos tipificadores legalmente estabelecidos: a habitualidade, a onerosidade, a pessoalidade quanto ao trabalhador e, principalmente, sua a subordinação ao tomador de serviços.
Por força do contrato de emprego, disse a magistrada, o empregador tem o direito de dirigir a própria prestação de serviços, estabelecendo, além do objetivo, a forma e os meios pelos quais será empregada a força de trabalho do trabalhador, bem como os horários e dias em que o labor será prestado – determinações que devem ser cumpridas pelo empregado, sob pena, inclusive, de punição disciplinar.
No caso dos autos, ressaltou a juíza, o próprio motorista informa que 75% do valor de cada corrida realizada cabia a ele. A autonomia na definição dos períodos e horários da prestação de serviço está evidenciada nas declarações do próprio reclamante, frisou a juíza, revelando que o trabalhador disse que poderia recusar chamados, que não estava sujeito a horário ou turno de trabalho, que suportava os custos de combustível, seguro e manutenção do veículo e, principalmente, que “poderia ligar e desligar o aplicativo quando quisesse; que poderia desligar o aplicativo por um mês”.
Também segundo o próprio autor, prosseguiu a magistrada, não havia típico exercício de poder disciplinar por parte da empresa. “De fato, mesmo nos casos de rejeição de corridas, não cumprimento do afirmado número mínimo de viagens, ou mesmo nas hipóteses em que o aplicativo permanecia desligado, o motorista poderia receber mensagens ou sugestões para aprimoramento do serviço, mas não era advertido ou suspenso das atividades”. O depoimento do trabalhador ainda deixa claro que mesmo o dito “desligamento” da plataforma, nas situações de baixa avaliação pelos usuários do serviço, rejeições reiteradas de corridas, ou longo período sem acesso ao aplicativo, não se dava a título de punição, e, portanto, não caracteriza exercício daquele poder disciplinar.
“A autonomia na utilização do próprio tempo e a ausência de exercício do poder diretivo, inclusive em sua dimensão disciplinar, afastam a subordinação característica do vínculo de emprego”, salientou a magistrada.
Alteridade
É característica da relação de emprego que o empregador se aproprie da diferença existente entre o valor pago pela prestação de serviços e o importe total recebido com essa prestação. Por isso se diz doutrinariamente que um dos elementos típicos do vínculo empregatício seria a alteridade, na medida em que, por força do contrato de emprego, o empregado recebe pelos serviços prestados apenas a remuneração ajustada, enquanto que o produto total de seu trabalho reverte em benefício do patrão, disse a magistrada.
Para ela, no caso concreto, “não se pode inequivocamente sustentar que o reclamante trabalhasse em benefício da reclamada, que não parece ter auferido a mais-valia típica da contratação de empregado, na relação que manteve com a autora. Falta, portanto, à vinculação havida entre as partes, aquela característica da alteridade que também serve para distinguir o contrato de emprego das demais relações de trabalho”.
Por considerar ter ficado demonstrado que a relação entre as partes não se desenvolveu sob o manto do contrato de emprego, a magistrada negou o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício e, em consequência, os demais pedidos formulados na reclamação.
Cabe recurso contra a sentença.
Fonte: Jornal Jurid
27 de novembro de 2018.
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