[Artigo] O trabalho autônomo pós reforma trabalhista e o risco do vínculo empregatício
Fernando Borges Vieira[i]
Sob o rigor de um complexo sistema de normas trabalhistas, muito empreendedores se dedicam a refletir sobre a melhor forma de equacionar o custo-benefício de suas operações e, como não poderia deixar de ser, a diretriz que os anima é a diminuição dos contundentes encargos trabalhistas e sociais.
Não raras vezes deparamo-nos com alguns empregadores que creem – açodada e equivocadamente – ser uma boa alternativa a substituição de um determinado número de empregados por prestadores de serviços autônomos.
Ocorre, esta “solução” é muito perigosa – posto revestida de ilegalidade – e pode desencadear uma série de consequências indesejáveis e as quais onerarão ainda mais o empregador.
Neste sentido, cabe traçar a distinção entre trabalhador autônomo e empregado, a partir da qual poderemos demonstrar o desacerto daqueles que encontram na contratação de profissionais autônomos somente vantagens.
Iniciemos pelo conceito de empregado, definido pelo artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho como toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste.
Autônomo, por sua vez, é o trabalhador que exerce sua atividade profissional sem vínculo empregatício, por conta própria e com a assunção de seus próprios riscos, sendo certo que esta prestação de serviços há de ser eventual e não habitual.
Para que possamos, pois, diferenciar com propriedade a distinção entre trabalhador empregado e trabalhador autônomo, relevante considerarmos os cinco requisitos que levam à caracterização do liame empregatício, quais sejam: i) habitualidade; ii) onerosidade; iii) subordinação; iv) pessoalidade e v) alteridade.
Em brevíssima síntese, a habitualidade indica que os préstimos não são eventuais, observando-se a continuidade destes; a onerosidade se caracteriza pela contraprestação financeira aos serviços prestados; a subordinação é caráter que demonstra que o prestador está sob as ordens daquele a quem presta serviços; a pessoalidade indica que a prestação de serviços é personalíssima, ou seja, só e somente só pode se dar por meio de determinada pessoa, sem possibilidade de substituição; por fim, a alteridade determina que não é empregado aquele que presta serviço a si mesmo, sendo necessário que o prestador e tomador de serviços sejam pessoas distintas.
A recente reforma da legislação trabalhista – com maior razão a Medida Provisória 808/2017 – trouxe à redação das normas consolidadas o artigo 442-B, o qual preceitua:
Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.
- 1º É vedada a celebração de cláusula de exclusividade no contrato previsto no caput.
- 2º Não caracteriza a qualidade de empregado prevista no art. 3º o fato de o autônomo prestar serviços a apenas um tomador de serviços.
- 3º O autônomo poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviços que exerçam ou não a mesma atividade econômica, sob qualquer modalidade de contrato de trabalho, inclusive como autônomo.
- 4º Fica garantida ao autônomo a possibilidade de recusa de realizar atividade demandada pelo contratante, garantida a aplicação de cláusula de penalidade prevista em contrato
- 5ºMotoristas, representantes comerciais, corretores de imóveis, parceiros, e trabalhadores de outras categorias profissionais reguladas por leis específicas relacionadas a atividades compatíveis com o contrato autônomo, desde que cumpridos os requisitos do caput, não possuirão a qualidade de empregado prevista o art. 3º.
- 6º Presente a subordinação jurídica, será reconhecido o vínculo empregatício.
- 7º O disposto no caput se aplica ao autônomo, ainda que exerça atividade relacionada ao negócio da empresa contratante.
Sem dúvida, a Medida Provisória 808/2017 concedeu um novo tratamento ao trabalho autônomo sob o franco intuito de estabelecer a não caracterização do vínculo empregatício para com o tomador dos serviços; todavia, em que pese a nova previsão legal, certo é que não resta afastado por completo o risco de reconhecimento de vínculo empregatício.
O artigo 442-B consolidado é explícito ao estabelecer não haver mais restrição ao exercício de atividade fim do tomador de serviços, bem como inexistir vínculo empregatício.
Aonde reside, pois, o risco que consideramos? O risco está no fato de que a modalidade de empregado não está na denominação que se lhe atribui, mas nas características da relação estabelecida com aquele em cujo favor exerce suas atividades em acato ao princípio da primazia da realidade, sendo certo que a norma veda expressamente a prestação de serviços sob exclusividade e indica que a subordinação jurídica conduzirá ao liame empregatício.
Assim, se é contratado um trabalhador “autônomo” e o mesmo presta serviços com habitualidade, pessoalidade e sob ordens – caracterizando-se, sobretudo, a subordinação jurídica – tem-se sim um empregado. Eis o risco! Alguns empreendedores acreditam que a contratação de trabalhadores autônomos não implica em riscos próprios da relação de emprego e, não mais que de repente, são surpreendidos por reclamações trabalhistas e autuações por parte do Ministério Público do Trabalho ou da Receita Federal e o que era para desonerar acaba por provocar encargos ainda mais hostis.
Entretanto, é preciso ponderar que a contratação de profissionais autônomos é lícita, devendo o tomador de serviços atentar ao novo regramento, evitando haja espaço para o reconhecimento de vínculo empregatício.
Promovida estas breves considerações, podemos sintetizar as principais diferenças entre o trabalhador empregado e o trabalhador autônomo:
EMPREGADO |
AUTÔNOMO |
Conserva vínculo empregatício | Não conserva vínculo empregatício |
Presta serviços habitualmente | Presta serviços eventualmente |
Não assume o risco da atividade | Assume o risco da atividade |
Pode haver previsão de exclusividade | Não pode haver previsão de exclusividade |
Percebe salário | Percebe remuneração |
É subordinado ao empregador | Não é subordinado ao tomador |
Contribuinte coletivo |
Contribuinte individual |
[i] Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519 e OAB/RJ 213.221 – Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados – Bacharel em Direito (FMU) – Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) – Mestre em Direito (Universidade Mackenzie) – Certificado em Compliance Anticorrupção (LEC) – Personal, Professional e Leader Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching (SBC) – Professor de Pós-Graduação Direito Processual do Trabalho – Diretor do Núcleo de Direito Processual do Trabalho da OAB/SP/Jabaquara – Membro da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB/SP – Associado Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) – Associado à Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – Associado à Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) – Associado à Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo (ATSP) – Associado ao Instituto Brasileiro de Compliance (IBC) – Associado ao Instituto de Compliance do Brasil (ICB) – Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e relevantes artigos jurídicos.
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