[Artigo] Nem Toda Ação ou Omissão do Empregador Configura Assédio Moral
Fernando Borges Viera[i]
Não raras vezes deparamo-nos com pedidos indenizatórios sob a tese obreira de que o empregador agiu de forma a assediar moralmente o empregado e, também não raro, percebemos que o postulante traça verdadeira confusão entre o assédio moral e o dano moral puro, o que conduz à improcedência do pleito.
Bem se sabe que a culpa não é do Reclamante, o qual não tem obrigação qualquer de conhecer a legislação e a jurisprudência, e sim de colegas que, quicá ávidos por “inflacionar” o rol de pedidos, buscam caracterizar o assédio, sem razão para tanto.
Como exemplo, cito o reiterado caso de empregados que buscam caracterizar o assédio moral juntificando-o por meio da conduta do empregador ao estabelecer metas e fiscalizar o atingimento das mesmas. Ora, desde que factíveis, o empregador tem sim o poder de estabelecer metas e de fiscalizar as ações a serem desenvolvidas para que as mesmas sejam atingidas, desde que o faça de modo adequado. Quero afirmar com este exemplo que nem toda ação (ou omissão) do empregador conduz à caracterização do assédio moral, como se o empregado fosse um “ente intocável” e em relação ao qual não pudesse se promover qualquer cobrança ou correção.
Mister se faz salientar, mais do que poder, acaba sendo dever do empregador agir no sentido de obter o melhor resultado em suas atividades, integrando o poder de gerência o de estabelecer metas factíveis e de fiscalizar a execução do trabalho de seus empregados para que os mesmos dediquem-se a atingi-las.
De salvaguardar-se, o poder de gerência é limitado e não pode extravasar a esfera do que é adequado, ou seja, não pode expor o empregado a qualquer espécie de constrangimento; se assim o fizer, poderemos sim estarmos diante de assédio moral ou do dano moral puro.
Compreendamos, pois, o que vem a ser assédio moral, valendo-nos da lição de Marie-France Hirigoyen, segundo a qual por assédio em um local de trabalho temos que entender total e qualquer conduta abusiva, manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho. (Hirigoyen, Marie-France. assédio moral: a violência perversa no cotidiano/ Marie-France Hirigoyen; tradução de maria Helena Kühner. 5ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand brasil, 2002, p. 65.)
Em nossos país, a Juíza do Trabalho Márcia Novaes Guedes, tratou da questão em sua obra “Terror Psicológico no Trabalho”. Na obra, apresenta conceituação do fenômeno pontuando que no mundo do trabalho, mobbing significa todos aqueles atos comissivos ou omissivos, atitudes, gestos e comportamentos do patrão, da direção da empresa, de gerente, chefe, superior hierárquico ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contínua e ostensiva perseguição que possa acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas, morais e existenciais da vítima. (GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2ª ed., São Paulo: LTr, 2004, p. 32.)
O assédio moral é, pois, revelado por atos e comportamentos, direcionados e reiterados, cuja agressividade tem por escopo a desqualificação, desmoralização e a desestabilização emocional do ofendido, tornando o ambiente desagradável, hostil e pernicioso, não raramente desencadeando na vítima um mal psicológico e físico.
Na compreensão de Sérgio Pinto Martins (Assédio moral no emprego. São Paulo: Atlas, 2012.), para que se caracterize o assédio moral é preciso que se identifique a causa do assédio e, também, o assediador, e é preciso que tenha os seguintes requisitos:
a) conduta abusiva;
b) ação repetida: para caracterizar assédio moral, há necessidade de repetição no ato do empregador, ou de seus prepostos; um ato isolado não caracteriza o assédio moral.
c) postura ofensiva à pessoa da vítima;
d) agressão psicológica: fere a intimidade e a dignidade do trabalhador;
e) que haja finalidade de exclusão do indivíduo: é necessário que a vítima se sinta excluída, pois o objetivo é este: excluir a vítima; e
f) dano psíquico emocional: é uma consequência do assédio moral.
Ausentes estes requisitos, não se afigura o assédio moral, sendo imprescindível estabelecer que não é toda e qualquer ação (ou omissão) do empregador que traz consigo o condão de caracterizar o assédio moral.
São exemplos de condutas que conservam o poder de caracterizar o assédio moral: fazer constante juízo depreciativo do funcionário e de seu trabalho, chamando-o de “burro”, “incapaz”, “ignorante”, entre outros termos pejorativos; não delegar tarefas ao empregado para que ele se sinta inútil; delegar atividades incompatíveis com a contratação do funcionário para humilhá-lo perante os demais; fazer brincadeiras depreciativas com características do trabalhador ou com sua raça, cor, etnia, religião ou orientação sexual; estabelecer metas claramente inatingíveis; não fornecer, propositalmente, materiais necessários ao desempenho das atividades laborais; impor carga horária elevada, injustificadamente; difamar o empregado, circulando boatos que lhe sejam vergonhosos.
Entretanto, um ato isolado não caracteriza o assédio moral, podendo – dependendo do ocorrido – caracterizar dano moral, cuja reparação exigirá robusta prova neste sentido, pertencendo o onus probandi àquele que se dia assediado.
Para o reconhecimento do assédio moral é necessária a verificação reiterada do empregador, dos prepostos da empresa ou mesmo dos colegas do empregado, de práticas que coloquem a vítima em situações de humilhação, constrangimento ou abuso, extrapolando os limites dos poderes diretivos do empregador, causando prejuízos ao ambiente de trabalho, aos direitos de personalidade da vítima e à sua saúde física e psicológica.
Por conseguinte, reiteramos o fato de que não pode o empregador permanecer refém do receio de agir, crendo que qualquer atitude que venha tomar ou deixar de tomar possa se caracterizar como assédio moral e fazer nascer o dever de reparabilidade.
Todo trabalho apresenta certo grau de imposição e dependência; assim, existem atividades inerentes ao contrato de trabalho que devem ser exigidas ao trabalhador, sendo normal haver cobranças, críticas construtivas e avaliações sobre o trabalho e/ou comportamento específico feitas de forma explícita e não vexatória.
Porém, ocorre o assédio moral quando essas imposições são direcionadas para uma pessoa de modo repetitivo e utilizadas com um propósito de represália, comprometendo negativamente a integridade física, psicológica e até mesmo a identidade do indivíduo – fora esta condição, não deve o empregador temer em exercer seu poder de gerência.
[i]Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519 e OAB/RJ 213.221 – Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados – Bacharel em Direito (FMU) – Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) – Mestre em Direito (Universidade Mackenzie) – Certificado em Compliance Anticorrupção (LEC) – Personal, Professional e Lider Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching – Professor de Pós-Graduação Direito Processual do Trabalho – Membro do Grupo de Pesquisa em Direito do Trabalho da Universidade Mackenzie – Diretor do Núcleo de Direito Processual do Trabalho da OAB/SP/ Jabaquara – Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) – Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – Membro da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) – Membro da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo (AATSP) – Associado ao Instituto Brasileiro de Compliance (IBC) – Associados ao Instituto Compliance Brasil (ICB) – Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e relevantes artigos jurídicos.
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