STF valida Ficha Limpa para casos anteriores a 2010
O Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quarta-feira (4/10) que a inelegibilidade de oito anos fixada pela Lei da Ficha Limpa para políticos condenados por abuso de poder político e econômico pode ser aplicada mesmo para casos ocorridos antes de 2010, quando a lei foi editada.
Os ministros deixaram para concluir nesta quinta a tese que vai servir de orientação para as demais instâncias da Justiça e também o debate sobre a possível modulação dos efeitos da decisão.
Por 6 votos a 5, a maioria da Corte entendeu que a inelegibilidade representa uma consequência da ficha suja e que a condição de se candidatar pode ser alterada sem que isso signifique retroagir. Votaram nesse sentido os ministros Luiz Fux, Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.
Em outra frente, os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio e Celso de Mello defenderam que a aplicação para casos anteriores representava ofensa às garantias constitucionais da coisa julgada e da irretroatividade da lei mais grave. Antes da Ficha Limpa, a legislação estabelecia que a inelegibilidade era de três anos.
A lei da ficha limpa estabelece que entre os inelegíveis estão “os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes”.
Os ministros discutiram recurso (Recurso Extraordinário (RE) 929670) de um candidato a vereador de Nova Soure (BA) que teve seu registro de candidatura barrado com base na Ficha Limpa em 2012. O candidato foi condenado por abuso de poder econômico e compra de votos em 2004 e cumpriu o prazo de três anos de inelegibilidade. Em 2012, mesmo após ter exercido o cargo de vereador em 2008, teve a candidatura negada com base no novo prazo de oito anos de inelegibilidade da Ficha Limpa.
Na sessão desta quinta, o advogado do vereador José Eduardo Alckmin alegou que o processo tinha sido prejudicado, uma vez que o mandato requerido foi finalizado em 2016. Os ministros, no entanto, decidiram que, como o julgamento já estava em estágio avançado com oito votos, era possível discutir a tese e não aplicar o entendimento no caso específico.
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio Mello afirmou que era preciso respeitar a observância da irretroatividade da lei. “Deu-se à lei nova contornos de rescisória para rescindir decisão anterior que versara a inelegibilidade por três anos. A questão é muito séria.”
“O que se tem então? O critério do plantão inaugurado pelo Supremo? Por melhor que seja a intenção de moralidade colocar em segundo plano o ordenamento jurídico?”, questionou o ministro, afirmando que a decisão poderia gerar uma insegurança e provocar um “vale tudo”.
“A lei é sempre editada de forma prospectiva, em termos de efeito. Não podemos, por melhor que seja a intenção sob o ângulo moral, por maior que seja a bisca de correção de rumos, simplesmente colocar em segundo plano o ordenamento jurídico”, disse.
Celso de Mello disse que a questão central do julgamento era saber se uma decisão da justiça eleitoral que fixou a inelegibilidade em três anos com base na antiga redação legal pode ser aumentada em anos, reforçando “intocabilidade da coisa julgada”.
“Não pode, deve ser respeitada a coisa julgada. Não cabe assim o reconhecimento da nova inelegibilidade de oito anos constante da Lei Complementar de 2010. ”
Para o decano, “é inadmissível a possibilidade de fazer retroagir sanção mais gravosa, o que restringe direito fundamental de participação política. A Constituição não admite a modificação de situações jurídicas definitivamente consolidadas.”
“A proteção constitucional dispensada à coisa julgada em sentido material revela-se tão intensa que impede sejam alterados os atributos que lhe são inerentes, a significar que nenhum ato estatal posterior poderá validamente afetar-lhe a integridade”, disse.
A presidente do STF reforçou a linha de que a inelegibilidade passa a valer no momento do pedido de registro. “Afirmamos sempre que, uma vez em que as condições de inelegibilidade se dá no momento em que se requer o registro, é nesse momento que se tem que avaliar qual a lei que prevalecerá e a possibilidade ou não do exercício desse direito político. Essa matéria foi exaustivamente no Tribunal Superior Eleitoral portanto sequer haveria um entendimento, porque prevaleceu esse entendimento de forma correta, com todas as vênias ao contrário”, disse a ministra.
Apesar de ter votado na primeira sessão do julgamento em 2015, o ministro Gilmar Mendes pediu para fazer uma complementação e voltou a atacar a Ficha Limpa. “A lei foi escrita em língua próxima do português, mas mal escrita. Por exemplo, o Júri é um colegiado para o fim da Lei da Ficha Limpa? O texto da Ficha Limpa foi feito por quem não entende de português e de direito”.
“Não é sanção? Então é o que? Pode ser aplicada retroativamente? Mas como? Pode o legislador elevar o prazo em nome da moralidade? A moral de que fala o texto constitucional tem de ser compatível com a Constituição, sob pena de criarmos um direito alternativo, o direito achado na rua, o direito constitucional da malandragem. Se se pode alterar o prazo para 8, para 10, por que não eternizar?”, completou.
Fonte: Jota
05 de outubro de 2017.
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